quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Rafael Gasparini Moreira X Alex Cruz - Livre Arbítrio


  1. Olá Alex.

    Pelo que li dos seus comentários no FB, parece que já concluímos que de um ponto de vista de Ciência o livre-arbítrio “não é acessível pelo método científico”, de modo que não se pode prová-lo nem “existente” nem “não-existente” e esse assunto não pertence à Ciência. Do ponto de vista de Ciência devemos ser, portanto, AGNÓSTICOS com relação ao livre-arbítrio. Se tiver argumentos contra essa posição, por favor poste nas suas CIs e eu replico na minha próxima postagem.

    A questão que resta a ser discutida então é: considerando que não podemos ter certeza absoluta sobre algo, o que é que me levaria a assumir esse algo como verdadeiro? Por que me sinto irresistivelmente inclinado a assumir como verdadeiro o livre-arbítrio, enquanto que outras coisas que igualmente não tenho certeza nem me ocupo?

    Antes disso, porém, é preciso fixar o que se deve entender por “livre-arbítrio”.

    Por livre-arbítrio entendo um arbítrio (empírico) cujo fundamento é a LIBERDADE. Isso porque pode haver o arbítrio “não-livre”, cujo fundamento é a própria NATUREZA. Se há liberdade, há igualmente livre-arbítrio. Se não há liberdade, então todos os arbítrios são não-livres ou naturais. Mas como então é definida a Liberdade?

    A liberdade é simplesmente definida como uma faculdade de autonomia, ou seja, de se determinar a si mesma sem qualquer tipo de influência exterior. Ela é também chamada de: “Razão”, “Inteligência”, “autodeterminação”, “Liberdade”, “Racionalidade”, “Faculdade de Princípios”. Algo que possua esta faculdade é denominado de diversas formas: “Ser livre”, “Ser autônomo”, “Ser autodeterminado”, “Ser racional”, “Alma”, “Espírito” (quando sinônimo de Alma), “Pura Inteligência”, “Ser Inteligente”. Esses termos são encontrados aos montes na filosofia de Kant, e querem dizer absolutamente a mesma coisa.

    Você me criticou da seguinte forma:

    “O Rafael já começa com um dos reducionismos metafísicos mais prosaicos que já vi: —“vou chamar de A="tudo aquilo que é pura inteligência", e de não-A="tudo aquilo que não é pura inteligência".”— Ok! Enquanto ele faz isso, eu vou dividir o mundo em A=tudo aquilo que é pura dor de barriga e não-A= tudo aquilo que não é pura dor de barriga. Qual é a relevância disso?”

    De fato, eu posso escolher qualquer critério para ser “A”, de modo que sua união com “não-A” me dará o Todo. Isso é um simples princípio lógico. Se “A” for a minha caneta Bic, “não-A” será tudo o que não é a minha caneta Bic e a união das duas partes dará o Todo. E “A” pode ser inclusive um conjunto vazio, de modo que a união de “A” com “não-A” continua resultando no Todo, havendo apenas uma identidade entre o Todo e “não-A”.

    Como posso escolher qualquer critério, eu estabeleci que eu chamaria “A” a tudo aquilo que é pura inteligência, de modo que chamo de “não-A” a tudo aquilo que não é pura inteligência. O meu conjunto “A” neste caso pode ser um conjunto vazio, como também pode ser um conjunto de muitos elementos. E a tudo o que é “não-A” chamamos simplesmente de “coisas da natureza”, que têm como característica fundamental a incapacidade de se autodeterminar.

    Qual é a relevância disto? É não permitir que se multipliquem desnecessariamente os entes metafísicos e limitar a discussão a apenas duas opções. Ah... está havendo uma seleção cultural, uma seleção sexual, uma deriva gênica. Ok! Mas o que interessa aqui à discussão é se essa seleção cultural, sexual, deriva gênica ocorrem segundo uma causalidade livre e/ou uma causalidade natural. Essa é toda a discussão. Ah... e o famoso “acaso”? Uma partícula alfa foi emitida do núcleo de um átomo e dizem que o momento em que ela sai é “regido” pela “probabilidade”. Ok! Mas a verdadeira pergunta que se deve responder neste caso é se essa partícula específica saiu do núcleo porque “quis” ou se foi empurrada para fora pela resultante de forças e interações com as outras partículas. Se dissermos que ela saiu porque “quis”, diremos que ela era LIVRE; se dissermos que ela foi empurrada para fora, diremos que ela era NÃO-LIVRE e as causas foram simplesmente naturais.
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  2. O que chamam de “acaso” deve necessariamente recair em uma causalidade livre e/ou uma causalidade natural. O acaso, portanto, não existe como hipótese válida.

    Uma vez definido o que seria um Ser Livre, temos que também considerar como seria isso se existisse (ou se existir). Quando falamos de um ato livre, falamos de uma ação que foi originada de forma absolutamente independente do mundo exterior, sem qualquer tipo de determinação externa concomitante ou anterior. Para isso ele deve ser concebido como “simples”, ou seja, indivisível.

    Se o ser livre não fosse simples, isso significaria que:

    1. uma parte determinaria as outras e vice-versa, de modo que nenhuma seria livre de fato;

    2. apenas uma dessas partes seria livre e o restante das partes seriam naturais e não livres; ou

    3. se houvesse mais de uma parte livre, na verdade seriam vários seres livres simples agregados e não apenas um.

    A simplicidade, portanto, acompanha necessariamente a ideia de liberdade, de modo que o indivíduo livre deve ser concebido também como indivisível.

    As leis da natureza regem tudo aquilo que não é livre. Se um ser livre não pode ser determinado exteriormente (porque é “vivo” e pode não aceitar determinação exterior), isso significa também que as leis da natureza não se aplicam a ele, de modo que se ele está sujeito a alguma lei, essa lei não é a chamada “lei natural”. Deve ser outra. Dessa forma, é que temos também uma outra definição alternativa para liberdade, extraída da filosofia kantiana:

    “Liberdade de pensamento significa ainda que a razão não se submete a nenhumas outras leis a não ser ÀQUELAS QUE ELA A SI MESMA DÁ.” (Kant em “O que significa orientar-se no pensamento?”)

    Se à liberdade fosse imposta uma lei exterior, ela na verdade não seria mais livre, mas seria determinada por essa lei, assim como o são os objetos naturais. Daí não haveria diferença alguma entre inteligência e coisas. Então, um Ser Livre deve necessariamente dar a si próprio uma Lei ao invés de ser determinado por uma Lei exterior. Essa Lei é o que chamamos de “Lei Moral”.

    Desse modo, a Lei Moral aplica-se APENAS a seres livres, assim como as leis naturais aplicam-se APENAS a coisas não-livres. Como temos aquela eterna dúvida se há ou não liberdade, o homem então pode ser somente natural, ou natural e livre. Se ele é apenas natural, ele está sujeito apenas a leis naturais e não faz sequer sentido pensar em uma Lei Moral. Se ele é natural e livre, a sua parte livre está necessariamente sujeita à Lei Moral, enquanto que a sua parte natural está necessariamente sujeito às leis naturais. A parte livre do homem não se submete a leis naturais, assim como a parte natural do homem não se submete à Lei Moral.

    As leis naturais são simplesmente lógicas e matemáticas, ou de um modo mais preciso, são as próprias leis do nosso entendimento, que Kant chamava de “categorias do entendimento”. São dessas categorias que se deriva tudo aquilo que hoje chamamos de leis da natureza, na sua forma mais simples possível.

    Já as leis morais decorrem de um direito que um ser livre se dá a si próprio nas suas relações com outros seres igualmente livres. E esse direito é o próprio direito à AUTONOMIA, ou seja, o direito de não se deixar determinar por nada que lhe seja exterior. Esse direito também se expressa com o nome de DIGNIDADE (ou seja, o direito de não ser rebaixado ao estado de uma coisa não livre e de ser usado como tal) e em ISONOMIA (ou seja, o direito de não se deixar colocar em nenhuma condição de inferioridade em relação aos outros seres que também são livres).

    A Lei Moral, portanto, se expressa nesses três aspectos (mas que na verdade representam apenas um sob três pontos de vista): AUTONOMIA, DIGNIDADE e ISONOMIA. E são nesses três aspectos que os imperativos categóricos kantianos se desdobram.

    Cada ser livre se dá esses direitos (e eu não conheço ninguém que deles abra mão), o que implica que esses direitos auto atribuídos vinculam todos os outros seres livres como deveres.
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  3. Ou seja, eu não apenas tenho direito à autonomia, dignidade e isonomia, mas também tenho o DEVER de respeitar isso nos outros seres que como eu são livres. É dessa forma que esses direitos tornam-se a Lei Moral.

    Deus, que igualmente não podemos conhecer sua existência ou inexistência, assim como a sua natureza, mas que é definido como Criador de todas as coisas, também pode ser concebido como natural ou livre. Um Deus simplesmente natural é o deísmo, que como já disse é ateísmo disfarçado e que só faria sentido em um mundo em que não existisse a Liberdade. Um Deus livre é um Deus racional, assim como todas as suas outras criaturas livres, com a diferença de que Deus possuiria um poder supremo que os outros seres livres não possuem. E como Deus é concebido como livre, é nesse sentido que podemos entender que “somos a imagem e semelhança de Deus”. Não somos imagem e semelhança como seres naturais, mas como seres livres. E da mesma forma que os seres racionais se dão uma Lei, Deus igualmente se dá a mesma Lei, que vincula tanto Ele próprio (se existir como inteligência) como suas criaturas livres. Trata-se da mesma Lei Moral, de modo que podemos afirmar categoricamente que a Lei Moral é também Lei de Deus.

    Onde estão escritas então as Leis de Deus (ou Lei Moral)? Na própria razão humana; pois é uma lei que ela própria se dá.

    Kant escreveu na fundamentação da metafísica dos costumes que pela palavra “REINO” ele entendia A UNIÃO SISTEMÁTICA DE DIVERSOS SERES RACIONAIS POR MEIO DE LEIS COMUNS. Ora, se essas leis são morais, e a Lei Moral é também Lei de Deus, é possível dizer que “REINO DE DEUS” seria A UNIÃO SISTEMÁTICA DE DIVERSOS SERES RACIONAIS POR MEIO DA LEI DE DEUS. Como essa Lei provém da própria razão, fica então compreendido o trecho bíblico abaixo:

    “Sendo Jesus interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes: O reino de Deus não vem com aparência EXTERIOR; nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! POIS O REINO DE DEUS ESTÁ DENTRO DE VÓS.” (Lc 17:20-21)

    Isso quer dizer que quando os homens se deixarem determinar somente pela Lei que eles próprios se dão enquanto seres livres, ou seja, pela própria Lei Moral, é quando terá chegado o tão esperado “Reino de Deus” profetizado pelas Escrituras. A teoria anteriormente exposta permite compreender essa passagem em toda a sua profundidade, e é nesse sentido que digo que as Escrituras, apesar dos muitos erros que contêm, possuem igualmente muita sabedoria que apenas mais tarde a Filosofia elucidaria. Desse modo, a Lei Moral fundamenta ao mesmo tempo a Religião, a Ética e o Direito. Sem a Lei Moral estes três são palavras vãs e letras mortas.

    No entanto, não tenho uma certeza absoluta, científica, acerca da existência da liberdade. Como ficamos então? Nesta dúvida, eu tenho o direito de me pressupor livre e de exigir de todos os direitos dos seres livres, ou seja, o respeito à autonomia, à dignidade e à isonomia. E todos têm também o direito de me exigir o mesmo, creiam ou não na liberdade. É claro que qualquer um tem também o direito de abrir mão de sua autonomia, dignidade e isonomia. Mas quem é que estaria disposto a fazer isso, a se rebaixar ao estado de um simples objeto, só porque não tem certeza de que não é mais do que isso? Estou para conhecer alguém que faça isso, de modo que a liberdade é pressuposta até mesmo por quem nela não crê.

    É desse modo que preciso e posso assumir como verdadeiro algo que não posso ter certeza, como o livre-arbítrio. Eu jamais terei o direito de agir no mundo como se eu não fosse livre e não fosse responsável pelos meus atos. Eu sempre serei responsabilizado como um ser livre. E por outro lado jamais me será dado o direito de tratar o outro como se ele não fosse livre (ou seja, em desrespeito à sua autonomia, dignidade e autonomia), de modo que a consequência disso tudo para a nossa vida prática é que devemos pressupor em nós essa coisa estranha e incompreensível a que damos o nome de LIBERDADE, independentemente de saber se ela existe ou não. Pressupor a liberdade não é favor. É dever.
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  4. Rafael Gasparini Moreira X Alex Cruz - Livre Arbítrio



    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Saudações aos leitores do blog.
    Acabei de ler as CIs do Sr. Rafael. Se eu tivesse de resumi-la em três linhas, diria que se trata de uma confusão de conceitos, com pedaços do tema de um debate anterior, misturada a um resumo da Ética de Immanuel Kant para alunos do ensino médio, destinada a servir como hipótese “ad hoc” para justificar uma crendice mística pré-admitida. A mim, cabe a tarefa de dar alguma ordem a esse embrulhada de conceitos e equívocos que me precederam e de colocar as ideias apresentadas em seus respectivos lugares, tarefa difícil e que tentarei executar segundo me permitirem minhas limitadas capacidades. O espaço é curto e os termos são escorregadios, por isso, caso alguma ideia não fique clara, espero que meu oponente me peça maiores esclarecimentos nas réplica. Ao trabalho.


    1) Aspecto relativo e absoluto

    É evidente que nossa razão encontra limites nas escalas temporais e espaciais em que funciona, de modo que frequentemente encontramos enormes diferenças entre aquilo que nos parece verdade e o que de fato É verdade a despeito de nossas limitações intuitivas e práticas. Antes de se meter em qualquer discussão sobre o L.A., aquele que não quiser cometer equívocos tem que deixar claro se está fazendo um raciocínio em termos relativos ou absolutos, ou seja, se está tratando de verdades condicionadas ou incondicionadas. Assim, se em termos incondicionais (absolutos) chegarmos à conclusão de que o L.A. é apenas uma ilusão, isso não significa que devamos abolir qualquer ação que nele se fundamenta, pois toda nossa experiência social é condicionada por fatores de ordem prática, ética e jurídica que só fazem sentido se considerarmos arbitrariamente a existência do L.A. e sua principal consequência social: a de que as pessoas são responsáveis por suas ações.

    Como terei ocasião de demonstrar, o Sr. Rafael faz uma grande confusão ao tratar de conceitos ora em termos absolutos ora em termos relativos em um mesmo argumento. A Ética de Kant, por exemplo, não visa atestar a existência absoluta de uma norma universalmente válida, mas sim encontrar um ponto em comum entre os homens para regular sua conduta social. Meu oponente extrapola a validade de um sistema moral condicionado aplicando-o ao universo, confundindo conceitos relativos com absolutos. Para não cair no mesmo erro, deixo desde agora explícito que vou tratar da questão em termos absolutos e que farei a ressalva sempre que for necessário expor o problema em termos relativos e condicionais. Aproveito para dizer que seria ótimo se meu oponente fizesse o mesmo; mas a julgar pelo que li nas suas CIs, não tenho muita esperança de que ele vá adotar ou até mesmo compreender esse critério, embora eu torça para estar equivocado!


    2) História

    O problema do L.A. já foi formulado de diversas maneiras ao longo da história. Na Grécia Antiga ele estava vinculado à ideia de destino, regulado pelos deuses, especialmente as três Moiras, que geriam o “fio” da vida: Cloto, que tecia o fio governando os nascimentos; Láquesis, que enrolava o fio representando as atribulações da vida, e Átropos, que cortava o fio determinando a morte. Como poderia, portanto, o homem ser realmente livre nessa situação? Na Ilíada de Homero, o destino de Troia está traçado pelos deuses desde o início da guerra. Quando há possibilidade de escolha, ela é bem limitada, como a de Aquiles que pode optar por vingar a morte de Pátroclo, matando Heitor, tomando Tróia e morrendo jovem e com glória eterna ou abandonar a guerra, voltando para casa e tendo uma vida longa e tranquila no anonimato. Outro exemplo é o caso de Oedipus Rex, de Sófocles. Édipo é alertado pelo Oráculo de Delfos que está destinado a matar seu pai e casar com sua mãe e tudo que ele faz para evitar a concretização de seu destino acaba por contribuir para que ele se cumpra. 
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  5. Na Europa medieval, o problema ganhou cores teológicas e foi formulado da seguinte forma: “Como nós podemos ter L.A. se Deus já sabe tudo que iremos fazer”? Ou: “Se Deus sabe hoje que eu vou pecar amanhã, seria eu livre para escolher não pecar”? Se sim, o conhecimento de Deus estaria equivocado; se não, não há um real L.A. Ambas as possibilidades pareciam irreconciliáveis e igualmente inaceitáveis segundo a doutrina cristã de então. Vários pensadores patrísticos e escolásticos tentaram conciliar essas ideias. Alguns desistiram, conformando-se com a ignorância sobre a questão, e outros simplesmente apelaram para o absurdo afirmando que Deus sabe o futuro ao mesmo tempo em que temos L.A. Motivo? Nenhum. Apenas é assim e pronto, o que está bem longe de ser uma resposta satisfatória à questão.

    Mas foi a partir do Iluminismo que o problema excluiu a variável divina e assumiu sua forma mais popular, que envolve diretamente a questão do determinismo físico (a ideia de que, conhecida a situação inicial e todas as leis da física, só pode haver um futuro possível): “Como nós podemos ser livres se as leis da física controlam o movimento de todos os corpos”? Como resposta a essa pergunta, surgiram várias escolas de pensamento que arguiam pela verdade / falsidade do determinismo físico e pela compatibilidade / incompatibilidade entre determinismo e L.A. Pelo menos por enquanto, não nos convém aqui tratar de cada uma delas, especialmente porque o século XX provocaria outra revolução nessa questão.


    3) (In)determinismo X Livre Arbítrio

    A partir da primeira metade do século XX, descobertas no estudo de partículas subatômicas apontaram para a existência de comportamentos realmente imprevisíveis, que não obedecem a nenhuma lei conhecida e até hoje nenhuma tentativa de sistematização foi capaz de descrevê-los. Note-se que o comportamento de partículas subatômicas não é meramente “não compreendido”, mas parece ser mesmo “incompreensível”, uma vez que nessa escala a informação surge e desaparece no universo aleatoriamente, desfiando tudo o que se conhecia sobre a física até então. A consequência é que, em termos absolutos, o determinismo não existe. Só se pode falar em determinismo, portanto, em termos relativos e condicionados à física newtoniana, por exemplo, para explicar o movimento de corpos macroscópicos. Diante disso, a pergunta a ser feita é: com o determinismo fora da jogada, isso significa que o L.A. de fato existe? E a resposta é negativa, pois o determinismo não foi substituído por uma volição livre e sim por fenômenos caóticos que não se constatou serem decorrentes de alguma misteriosa “vontade”. Uma coisa é admitir que algo no universo surge, se movimenta e desaparece de forma indescritível e imprevisível, outra bem diferente é atribuir a ele uma intenção consciente e livre, o que demanda, necessariamente, uma demonstração.


    4) A questão dos universais

    Agora que vimos a evolução histórica do problema, passemos a tratar de alguns equívocos do Sr. Rafael, a começar pelo principal: a questão dos universais. Este problema consiste em determinar se entidades universais existem de forma independente ou se apenas existem como palavras, conceitos ou ideias na mente de um ser racional. Por exemplo: a grama do meu jardim, uma folha de bananeira ou um limão são verdes e qualquer um (se não for daltônico) pode perceber isso. A questão é saber se “O Verde” existe por si mesmo, de forma independente, ou se é apenas um conceito relativo que dependente da mente e da percepção humanas. Ora, parece-nos óbvio que não existe uma entidade autônoma chamada “O Verde”, pois, assim como qualquer cor, trata-se apenas de uma faixa de comprimento de onda que nossos olhos e nosso sistema nervoso identificam de uma forma particular. Outras espécies veem de forma distinta o mesmo comprimento de onda que nos parece verde, como os cães, que veem em preto e branco, e há ainda outras espécies que veem comprimentos de onda imperceptíveis para nossos olhos, como as abelhas, que enxergam raios ultravioleta. 
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  6. Assim, o que vale para a cor verde, também vale para muitas outras ideias, como o amor, a justiça, a bondade e a inteligência. São conceitos, ideias, e não seres autônomos e independentes. No entanto o Sr. Rafael fundamenta todo o seu pensamento numa tal “pura inteligência”, que nos é apresentada como algo real, e segue alegremente com o seu raciocínio como se não houvesse uma milenar contenda filosófica acerca dessa questão. Contenda, aliás, que até hoje está sendo ganha pelos que defendem a postura idealista, ou seja, a de que os universais são apenas ideias na mente humana. Digo isso porque nenhum realista (que defende a existência real e autônoma dos universais) foi capaz de apontar um único deles sem recorrer a conjecturas místicas irracionais. Por isso, se o Sr. Rafael quer emprestar à sua metafísica perneta alguma racionalidade, deve admitir uma incapacidade de demonstrar a existência autônoma da inteligência ou resolver a questão dos universais revolucionando a Filosofia aqui no blog. Até lá, a Navalha de Ockham, a Biologia e a própria lógica estão com a posição idealista. Boa sorte para ele!


    5) A base física de uma ilusão

    Bem ao contrário do que supõe meu místico colega, a possível existência de um “ser livre” imaterial em nós é desautorizada pelo estudo científico do sistema nervoso, isto é, a Neurociência. O fato de que interferências mecânicas e químicas no cérebro podem deflagrar sensações, preferências e comportamentos em um ser vivo demonstra que a sede de nossa consciência, de nossa inteligência e de nosso suposto L.A. é física e não espiritual. É famoso o caso de um homem de meia idade na Virgínia que, sem nenhum histórico de desvios sexuais, começou repentinamente a molestar sua enteada de 8 anos. Eventualmente descobriu-se que ele estava com um grande tumor cerebral. Depois de passar por uma cirurgia para a remoção do tumor, o comportamento do homem voltou ao normal, até que, meses depois, ele começou a apresentar a mesma agressividade e incontinência sexual de antes. Uma nova tomografia revelou que o tumor não havia sido removido por completo e cresceu novamente, deflagrando uma nova mudança na personalidade. Aqui vai uma descrição do caso para os interessados:
    http://neurocritic.blogspot.com.br/2009/10/unusual-changes-in-sexuality-case.html

    Este caso não é o único: há vários outros que atestam que mudanças de comportamento e de personalidade têm base física, de modo que tudo aponta para a ideia de que nossa inteligência é um produto de interações eletroquímicas no cérebro. Se não, como explicar que o entendimento de quem nós somos, nossas lembranças, movimentos, sensações, gostos, vontades e até nossa personalidade possam mudar radicalmente quando áreas do cérebro são estimuladas ou danificadas? Tudo aponta para o fato de que nossa inteligência é produto de um longo processo evolutivo, desde o mais primitivo reflexo nervoso de um platelminto, até o surgimento da autoconsciência nos primatas superiores que nos precederam. Assim, nossa razão é uma característica evolutiva tanto quanto o veneno de uma cobra ou os ossos ocos de um pássaro. A Biologia e a Medicina corroboram com o que digo, enquanto que Sr. Rafael apenas nos oferece um misticismo a favor do qual não há um único fato, uma experiência, uma evidência sequer, apenas a ideia de que a ciência “não provou sua falsidade”!



    Ainda há muito a dizer, mas meu espaço acabou. Na réplica tentarei responder a qualquer reação do Sr. Rafael e continuarei a levantar outras questões, inclusive sobre se (e em que medida) o L.A. é acessível pelo método científico, sobre se o tal “ser livre” é indivisível, sobre se (e em que condições) o L.A. é um bem, além de qualquer outra questão que porventura apareça. Passo a palavra para o Sr. Rafael e despeço-me com os...

    cumprimentos do “sofista, agressivo, mercenário, indigno, torpe, desprezível e impudico”
    Alex Cruz.
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  7. Como parece que o meu adversário não entendeu bem a minha exposição inicial, vou resumi-la em tópicos:

    1. Primeiramente eu disse que parecíamos nos entender que devíamos ser AGNÓSTICOS com relação ao livre-arbítrio;

    2. Fixei o que se devia entender por livre-arbítrio;

    3. Fixei o que se devia entender por liberdade (no sentido racional do termo) que é a fonte do livre-arbítrio;

    4. Fixei o que se devia entender por um ser que possui a faculdade da liberdade (ser livre);

    5. Expliquei então porque precisávamos, no âmbito desta discussão, dividir o mundo em sua parte livre e sua parte não-livre (ou natural);

    6. Depois expliquei como é que seria a existência “física” de um ser livre e porque ele deveria ser necessariamente considerado suprassensível;

    7. Depois expliquei que há leis diferentes para os seres livres e para as coisas não livres (Lei Moral e Lei Natural);

    8. Depois expliquei em que consiste a Lei Moral, em seus três aspectos de autonomia, dignidade e isonomia; e como que o que começa como um simples direito torna-se uma Lei que vincula todos nós;

    9. Depois defini Deus como sendo também necessariamente livre e adequado à mesma Lei Moral, defini Reino, Reino de Deus e onde é que se deveria encontrar o Reino de Deus;

    10. E por fim expliquei porque é que, mesmo não tendo absoluta certeza da liberdade, precisamos pressupô-la em nós.

    No primeiro item da sua exposição, o meu adversário parece que me deu razão ao dizer que “se em termos incondicionais (absolutos) chegarmos à conclusão de que o L.A. é apenas uma ilusão, isso não significa que devamos abolir qualquer ação que nele se fundamenta, pois toda nossa experiência social é condicionada por fatores de ordem prática, ética e jurídica que só fazem sentido se considerarmos arbitrariamente a existência do L.A. e sua principal consequência social: a de que as pessoas são responsáveis por suas ações.”

    É exatamente isso. Mesmo que algum dia o livre-arbítrio fosse provado falso, ainda assim precisaríamos continuar pressupondo-o verdadeiro. E essa é a verdadeira fundamentação da crença no livre-arbítrio, porque não fosse isso, não teríamos a menor razão para crer nele. Desse modo, são quiméricas todas as simples tentativas de se refutá-lo, porque se eu deveria crer nele mesmo que fosse falso, com muito mais razão ainda eu devo crer nele quando a posição é agnóstica.

    Com relação ao aparente conflito entre a onisciência divina e o livre-arbítrio, apontado pelo meu adversário no item 2, não há na verdade conflito algum. Deus pode perfeitamente saber o que faremos e não intervir, em respeito à autonomia do indivíduo. Então o conflito é apenas aparente.

    No item 3 de sua exposição, o meu adversário fez o que eu temia. Criou uma hipótese imaginária para cobrir uma lacuna imaginária. O nosso problema é saber se existe liberdade (autodeterminação) no mundo ou se tudo é simplesmente natural (ou determinado). Mas o meu adversário agora lançou mão de uma hipótese, que não seria determinado, que não seria autodeterminado, mas que é, segundo suas próprias palavras, “INDETERMINADO”. Mas como seria isso? Vamos olhar de perto o problema.

    Uma partícula alfa é emitida do núcleo de um átomo. O que será que teria acontecido para ela sair justo naquele momento e não em outro? Essa partícula saiu porque quis? Será que essa partícula se AUTODETERMINOU? Ou então será que essa partícula não tem vontade alguma, mas foi simplesmente DETERMINADA pelas outras partículas que a cercam (do universo inteiro, inclusive), de modo que foi lançada para fora?

    Mas o meu adversário insiste em dizer que ela nem saiu sozinha, nem foi empurrada para fora. Foi como então? Como seria essa “indeterminação” que não é “livre” nem “não livre”? A explicação que ele me deu, pelo que pude compreender, é que ela “saiu porque saiu”, não foi nem porque quis, nem porque foi empurrada, mas porque saiu. Tem explicação? Não, porque se tivesse estaria determinada a causa, e ele quer dizer que não tem causa alguma. Deve ser mantido o mistério, assim como é misterioso o antigo dogma da imaculada conceição.
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  8. Não precisa explicar. Pra quê? Cara chato, não é, que quer saber de tudo? Temos que aceitar que é assim e pronto! E o meu adversário parece estar muito satisfeito com essa situação sem explicação do jeito que colocou, o que é estranho para quem se diz ser contrário aos dogmas.

    A conclusão é que esta terceira opção imaginária é uma auto ilusão. Indeterminação significa que ela pode ter sido tanto determinada como autodeterminada (ou ambas). Ele não pode renunciar ao mesmo tempo ao determinismo e ao “autodeterminismo” (que seria um outro nome para a liberdade). Um dos dois ele precisa assumir. Se renunciar a um, necessariamente recairá no outro (ainda que não admita), e vice-versa. E foi justamente isso que deu origem ao chamado “misticismo quântico”. Por quê?

    Porque uma vez renunciado o determinismo, passou-se a NEGAR que a partícula estaria sendo DETERMINADA pelo conjunto de forças que a cercam. O que é que sobra então como opção? Essa partícula deve estar se AUTODETERMINANDO de alguma forma, ou seja, ela possuiria alguma forma de INTELIGÊNCIA. Isso foi a deixa para que alguns “cientistas” começassem a buscar o sentido de uma inteligência oculta nesses fenômenos, o que inaugurou a era do misticismo quântico. Ruben Braga, um físico brasileiro já falecido, escreveu em seu livro “A apercepção originária de Kant na física do século XX” que Niels Bohr “pensou encontrar fundamentos para o seu princípio de complementaridade em doutrinas mágicas orientais, como o zen-budismo, teoísmo, etc., ou na filosofia de Kierkegaard, ou ainda na psicologia de William James”.

    Por que isso aconteceu? Justamente Por causa de sua renúncia ao determinismo, que o fez então iniciar a busca pela “inteligência” dos fenômenos. Vejamos o que Bohr escreveu, na citação de Ruben Braga, do mesmo livro acima:

    “Com efeito, a interação finita entre o objeto e o instrumento de medida, condicionada pela simples existência do quantum de ação, implica - devido à impossibilidade de controlar a reação do objeto sobre os instrumentos de medidas, se é que esses devem servir à sua finalidade - A NECESSIDADE DE UMA RENÚNCIA FINAL DO CLÁSSICO IDEAL DE CAUSALIDADE, e uma revisão radical de nossa atitude diante do problema da realidade física.” (Niels Bohr)

    Não tem jeito. Se renunciarmos ao determinismo, vamos necessariamente começar a buscar os “diabinhos verdes” inteligentes e autodeterminados por detrás dos fenômenos, o que só pode produzir fantasias.

    No item 4, o meu adversário alega que aquilo que chamo de liberdade, ou “pura inteligência” nada mais é do que uma ilusão produzida pelo meu corpo natural, e utilizou-se de uma comparação real como se ela fosse a única possível que se aplicasse ao caso. Vou ilustrar com um exemplo.

    Suponha que tenha em minhas mãos uma bola vermelha. Essa bola existe como objeto independente de mim. Porém o vermelho não existe como independente de mim. Ele está em mim e surgiu da relação da luz refletida por essa bola com o meu sentido da visão. Outra pessoa ou ser talvez perceba essa bola de outra cor, ou preto e branco, ou mesmo não perceba cor alguma. Mas qualquer um que for receptível à bola vai perceber a bola, mesmo que nem a perceba como bola. Isso significa que a existência dessa bola é INDEPENDENTE DE MIM enquanto ser sensível. Já o vermelho é uma abstração minha e não tem existência exterior a mim.

    Quando defini “pura inteligência” eu a defini como algo que existe e que é exterior ao nosso corpo natural. Eu já disse que não há como provar que existe essa pura inteligência. Mas o meu adversário também não tem como provar que ela não existe.

    Se a pura inteligência fosse a bola do exemplo, o meu adversário está afirmando que essa bola não existe de fato, que a bola é uma simples criação da minha sensibilidade, da mesma forma que o “vermelho”. Mas com que fundamento ele afirma isso? Por que a pura inteligência não pode existir como objeto exterior e independente do meu sentido, assim como a bola? Onde as provas disso? Por isso insisto que a nossa posição intelectualmente honesta a respeito do livre-arbítrio é AGNÓSTICA...
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  9. E então recaímos de novo naquela discussão sobre o porquê eu deveria admitir como existente o livre-arbítrio, mesmo não tendo certeza de sua existência, coisa que o meu adversário já parece ter concordado comigo, conforme mencionado acima na análise do item 1 de sua exposição.

    E no item 5, finalmente, já tendo se convencido que a pura inteligência não pode existir fora do corpo natural, ele quer nos convencer que aquilo que chamamos de livre-arbítrio é físico (leia-se “natural”) e não espiritual. Porém, como vimos acima, a suposta demonstração é falaciosa, de modo que toda a argumentação dele cai por terra, porque o máximo que ele consegue demonstrar é que o que chamamos de livre-arbítrio pode realmente ter uma causa física. Mas não consegue provar que não há nem pode haver uma causa em uma pura inteligência exterior, donde que recaímos novamente na velha posição AGNÓSTICA...

    Por fim, o meu adversário alega que não há um fato sequer, uma evidência, uma experiência que deponha a favor da existência de uma pura inteligência autônoma em nós, e que a Biologia e a Medicina corroboram com o que ele diz, ou seja, que a causa é puramente física. Não é bem assim. Na verdade há experiências que sugerem fortemente as duas hipóteses, mas nenhuma delas é capaz de provar uma e refutar a outra. Vejamos.

    A natureza é composta de muitos objetos organizados teleologicamente, e muitas outras coisas que não são. Um produto organizado teleologicamente é aquele em que cada parte constituinte está em uma posição para um objetivo específico e determinado. Em um produto não organizado as coisas estão dispostas aleatoriamente.

    Por exemplo, uma montanha, ou os grãos de areia dispostos em um deserto, ou mesmo a disposição das estrelas no espaço, não parecem estar organizados teleologicamente, pois não conseguimos identificar uma finalidade para a montanha estar aqui e não ali, ou os grãos de areia e as estrelas estarem dispostos de uma forma ao invés de outra. Tudo isso é (ou ao menos parece ser) aleatório e observando essas coisas não há razão alguma para sequer supor alguma inteligência regendo tudo. Alguns dizem que percebem Deus olhando para as estrelas. Eu, sinceramente, já olhei bastante para as estrelas e não percebi nada.

    Porém, quando me deparo com um objeto simples produzido pelo homem, como a minha caneta Bic por exemplo, a minha percepção é totalmente diversa. Cada elemento constituinte dela é da forma que é por um objetivo. Temos a tinta que serve para escrever, a estrutura acrílica de suporte, a tampa para não sujar a minha camisa, a aba da tampinha para eu fixá-la, aquele buraquinho no meio para sair ou entrar o ar e reequilibrar a pressão atmosférica, o logotipo em alto relevo para propaganda e várias outras coisas, cada qual com uma finalidade específica. Quando eu olho para essa caneta eu digo para mim mesmo: isso só pode ter sido produzido por uma inteligência.

    E de fato, a razão humana não consegue apreender como é que uma coisa dessas poderia vir à existência sem ser por uma inteligência, e isso nos leva inclusive às vezes a ceder à tentação de dizer que essas coisas provam a inteligência. Mas infelizmente não provam, mas apenas sugerem, e sugerem fortemente. E não provam justamente porque nenhum mecanismo natural foi em princípio violado para que esse objeto tivesse vindo à existência, de modo que não se pode garantir absolutamente que processo não foi puramente natural.

    Mas essas evidências sugerem uma teleologia (não provam) e, por conseguinte, a sugerem a intervenção de uma inteligência; assim como as evidências do meu adversário também apenas sugerem (não provam) que a causa seja puramente física, de modo que retornamos à nossa velha posição AGNÓSTICA...

    Se meu adversário não trouxer mais nada de novo que realmente refute a possibilidade de existência de uma pura inteligência, pretendo expor as implicações da existência ou inexistência da pura inteligência (fonte do livre-arbítrio) na Ética e no Direito, de modo que a crença no livre-arbítrio seja aí justificada e fundamentada.
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  10. Rafael Gasparini Moreira X Alex Cruz - Livre Arbítrio

    RÉPLICA

    Embora desde o começo eu não estivesse muito otimista quanto ao andamento deste debate, admito com certo constrangimento que não haveria pessimismo capaz de me preparar para a réplica do Sr. Rafael e os motivos disso ficarão claros a seguir. Como sempre, vamos desmontar o discurso, expor suas fragilidades e depois incluir tópicos novos para que essa discussão possa pelo menos ter em abrangência o que as limitações do meu oponente impedem que ela tenha em profundidade. Ao trabalho!


    1) Aspecto relativo e absoluto

    Como era de se esperar, o Sr. Rafael nada compreendeu acerca da distinção que me preocupei em estabelecer. Uma coisa é saber se algo existe em termos absolutos, outra bem distinta aplicar o produto deste conhecimento em termos práticos. Se, por um lado, descobrirmos que não há nada de objetivamente mal em matar nossos semelhantes; por outro, sobram motivos de ordem prática para mantermos uma conduta de respeito cívico pela vida alheia. Em vez de notar a distinção clara e, apesar dela, persistir na busca pelo conhecimento sobre a existência do L.A., o Sr. Rafael acredita que —“são quiméricas todas as simples tentativas de se refutá-lo, porque se eu deveria crer nele mesmo que fosse falso, com muito mais razão ainda eu devo crer nele quando a posição é agnóstica”—. Os motivos dele, dele são. Mas eu me permito a altivez de conservar um mínimo de independência intelectual para não acreditar apenas no que me é benéfico ou conveniente, mas sim no que se me apresenta seriamente fundamentado a despeito da minha vontade ou do meu conforto. Infelizmente não vi, nem o Sr. Rafael me apresentou, nenhum motivo sério para acreditar no L.A.


    2) História

    Eu não esperava que houvesse discordâncias neste ponto, uma vez que apenas expus a história da questão do L.A. Entretanto o Sr. Rafael não aceita a versão medieval do problema alegando que: —“Deus pode perfeitamente saber o que faremos e não intervir, em respeito à autonomia do indivíduo. Então o conflito é apenas aparente.”— Se meu oponente não percebe a contradição que há aqui, tanto pior para ele... e também para mim, que mais uma vez me vejo intimado a explicitar o óbvio. Ter L.A. significa ter capacidade de gerar informação no universo através de escolha livre. Se Deus já conhecia todas as minhas escolhas quando a Dercy Gonçalves nasceu, ou seja, antes que eu mesmo existisse para escolher o que quer que seja, isso significa que a informação decorrente do exercício do meu L.A. já existia. Sendo assim, quem criou essa informação? Não fui eu, pois eu não existia ainda. Se foi Deus, então estou destinado a seguir o roteiro traçado, sem a real liberdade de escolher e, de fato, criar uma informação nova, que frustre a predição divina. Se não foi Deus e nem eu que a criou, então quem foi? Fica a pergunta para o Sr. Rafael responder.


    3) (In)determinismo X Livre Arbítrio

    O que o Sr. Rafael se recusa a compreender é que a lógica é a ferramenta básica da nossa razão, que foi evolutivamente moldada para funcionar nas proporções do ambiente em que nossos corpos evoluíram e tem, portanto, limites. A mecânica quântica não tem explicação lógica para alguns fenômenos subatômicos e reconhece não dispor de meios para que essa explicação possa surgir algum dia, pois a própria existência de um observador interfere no resultado de forma incontornável. Para os espíritos curiosos, essa constatação é realmente frustrante! Entretanto, o Sr. Rafael atribui essa situação não aos limites da nossa razão, ao tamanho ínfimo das partículas, não à interferência dos aparelhos de medição e nem mesmo aos cientistas que chegaram a essa conclusão decepcionante. Em vez disso, ele acredita que o culpado (veja só!) sou eu... eu, que “me conformei” com a falta de uma explicação. Na verdade ele espera que eu invente uma ou que aceite a que ele inventou: atribuir uma vontade livre a uma partícula, como se fosse cabível emprestar atributos animais a um neutrino! 
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  11. Se, por um lado, a ciência não sabe o que causa certos comportamentos bizarros em nível subatômico; por outro, podemos assumir, sem medo de errar, que ele não é causado por uma vontade, ou por uma saudade, ou por uma raiva ou por qualquer outro atributo humano.

    O que causa esse comportamento bizarro (do Rafael, não das partículas!) é um cacoete mental que ele tem e de que sequer se apercebe. Podemos vislumbrá-lo quando ele diz que eu não posso —“renunciar ao mesmo tempo ao determinismo e ao “autodeterminismo” (que seria um outro nome para a liberdade). Um dos dois ele precisa assumir.”— Ora, aí está uma maneira cômica de aplicar o princípio da não-contradição. Também posso fazer isso. Vejamos. Das duas, uma: ou o movimento de uma partícula é causado por um elefante rosa voador escondido numa quarta dimensão, ou ele não é causado por um elefante rosa voador escondido numa quarta dimensão. Não há meio termo! Como a ciência é incapaz de “provar a inexistência” de um elefante rosa voador quadridimensional, então devemos ser AGNÓSTICOS com relação a ele! Será que está pérola de lógica aplicada é pertinente? Veremos a seguir.


    4) A questão dos universais

    Eu falei sério quando disse que não havia pessimismo capaz de me preparar para a réplica do Sr. Rafael. Veja só que beleza de raciocínio: —“Quando defini “pura inteligência” eu a defini como algo que existe e que é exterior ao nosso corpo natural. Eu já disse que não há como provar que existe essa pura inteligência. Mas o meu adversário também não tem como provar que ela não existe.”— Que singelo! Se eu preciso mesmo responder a isso, só posso dizer que não sou eu que tenho que vasculhar o universo em todas as suas dimensões para “provar a inexistência” de uma “pura inteligência”, ou de uma “pura burrice”, ou de um “puro nariz” ou mesmo de um elefante rosa voador. O fato de algo não ter sua “inexistência demonstrada” não põe as possibilidades de ele existir ou de não existir em pé de igualdade. Se o repertório cultural do Sr. Rafael não engloba nem mesmo isso, ele não tem sequer as ferramentas necessárias para entrar em um debate, não apenas sobre o L.A., mas sobre o que quer que seja!


    5) A base física de uma ilusão

    Se a réplica do Sr. Rafael não estivesse aí acima, ninguém acreditaria em mim se eu contasse que o sujeito me explicou a teleologia de uma caneta BIC para se contrapor à constatação empírica de que nossa personalidade e nossas escolhas têm base física! E não foi só isso: ele acredita que suas razões místicas competem no mesmo nível de pertinência e credibilidade com as que eu apresentei: —“Na verdade há experiências que sugerem fortemente as duas hipóteses, mas nenhuma delas é capaz de provar uma e refutar a outra.”— Será mesmo? Não vi nenhuma experiência que “sugere fortemente” a hipótese mística. Onde estão essas experiências, Sr. Rafael? Mostre-nos uma que seja, para que possamos compará-la ao caso clínico que apresentei. Será que ele vai nos mostrar alguma coisa ou vai se contentar em apenas dizer que as experiências existem? Vermos.


    6) O Livre Arbítrio é acessível pelo método científico? Até que ponto?

    Agora que analisamos o teor das “respostas” que meu colega forneceu às minhas alegações, vamos lançar mais alguns questionamentos sobre o tema do debate e ver que outros grandes “insights” o Sr. Rafael tem a oferecer sobre o assunto. Comecemos com a relação entre o L.A. e o método científico. Pensava-se que, se fosse possível conhecer todas as leis da física, além da posição e da velocidade de todas as partículas em um dado sistema, só haveria um futuro possível, pois poderíamos calcular o estado desse sistema em qualquer tempo posterior. Porém já vimos que a física quântica enterrou essa visão ao jogar variáveis inapreensíveis na equação. As variáveis quânticas movem partículas de forma imprevisível, mas o L.A., se existir, não é indeterminável: o que o determina é a escolha de um agente livre. 
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  12. Assim, o método científico pode não ser capaz de apreender o fenômeno da criação e da destruição de informação no universo em sua totalidade, mas pode descobrir de essa criação ou destruição obedece a algum critério. Em outras palavras, a ciência não poderia explicar como o L.A. funciona, mas poderia dizer pelo menos se ele existe: basta que, em condições controladas, um agente consciente crie ou destrua informação no universo para que seja testada a variável da volição. É claro que existem vários problemas técnicos não superados para realização de um experimento como esse, mas isso não significa que ele não possa acontecer algum dia.


    7) O ser livre é indivisível?

    O Sr. Rafael afirma que sim, mas essa consideração é consequência direta do seu erro quanto à questão dos universais, pois ele pretende que exista uma entidade metafísica de natureza mística chamada “o ser livre”, ou seja, aquilo que em nós é, por si só, capaz de tomar decisões. Nós vimos, entretanto, que se o L.A. existir, não há nada que aponte para uma entidade sobrenatural. Ao contrário disso, só encontramos evidências que demonstram a necessidade de incontáveis trocas iônicas possibilitadas por uma complexa rede neural, alimentada por nutrientes absorvidos por um sistema digestório, suprida de oxigênio fornecido por um sistema respiratório e transportado por via sanguínea, protegida de microrganismos por um sistema imunitário e de choques físicos por um esqueleto rígido e uma vasta camada de tecido epitelial, etc. Precisamos, em suma, de um ser vivo com sistema nervoso desenvolvido e das trilhões de células que o compõem, de modo que apenas o conjunto é capaz de abrir espaço para a possível existência do L.A. O que o Sr. Rafael chama de “o ser livre indivisível” é simplesmente uma ideia decorrente dessa rede neural: não existe independentemente dela e, obviamente, de indivisível não tem nada. Mas se o Sr. Rafael quiser agarrar-se à ideia de que não se “provou a inexistência” do tal “ser livre indivisível” não serei eu que vou impedi-lo. Na verdade estou até achando graça quando ele emerge com um ar triunfante para dizer isso, de modo que quero dar-lhe o máximo de ocasiões possíveis para repetir a proeza.


    8) O L.A., se existir, é sobrenatural?

    Para mim já ficou bem claro que quando o Sr. Rafael e eu estamos falando de L.A. não estamos nos referindo exatamente à mesma coisa. Ele o apresenta sob um viés espiritual e a maneira como eu o concebo nada tem desse misticismo obscuro. Arrisco dizer que a compreensão de seu funcionamento, se ele existir, esbarra no problema da incerteza quântica a que me referi anteriormente. A implicação disso é que, ainda que ele exista de fato e seu mecanismo seja incompreensível, isso não atestaria a existência de qualquer tipo de fenômeno sobrenatural. Uma coisa é termos uma limitação evolutiva para o funcionamento da razão, outra bem diferente é atribuir esse limite a fenômenos sobrenaturais. É interessante perceber que a ciência fornece uma explicação racional até para o fato de não podermos dar uma explicação racional para fenômenos subatômicos! Enquanto que a hipótese mística é puramente dogmática. A diferença de qualidade é notável!



    Bem, meu caros, analisando os argumentos propostos até agora pelo Sr. Rafael, percebemos que temos tantas razões para acreditarmos em um L.A. de natureza mística quanto as temos para acreditar no meu elefante rosa voador, figura simpática que até poderia se tornar o símbolo do Livre Arbítrio defendido pelo meu oponente. Cumpre notar que a minha visão quanto ao L.A. é, de fato, agnóstica, mas nos termos e nas proporções que especifiquei. Como o meu espaço está acabando, guardarei outra questão interessante para as tréplicas. Pretendo refletir sobre se e em que condições o L.A. é realmente um bem para o ser humano, ocasião na qual acho que darei uma surpresa ao Sr. Rafael. Assim, passo-lhe a palavra e despeço-me com os...


    cumprimentos do “sofista, agressivo, mercenário, indigno, torpe, desprezível e impudico”
    Alex Cruz.
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  13. Numerei as respostas conforme os itens da resposta anterior.

    1) Parece que o meu adversário não entendeu ainda que eu não busco um “conhecimento sobre a existência do L.A.”. Ele continua insistindo nisso. O que me interessa aqui é demonstrar que o L.A. não pode ser refutado.

    A crença é subjetiva, e se o meu adversário não vê “nenhum motivo sério para acreditar no L.A.”, isso é algo que apenas a ele diz respeito. Neste caso eu apenas indico as razões que me levam a crer no L.A., e cada um que se sinta livre para adotar ou não para si as minhas razões.

    2) Em primeiro lugar, essa discussão nada tem a ver com História, mas com Filosofia e Ciência. Em segundo lugar, eu me limitei apenas a dizer que não havia uma necessária contradição entre a onisciência divina e o L.A., sem pretender explicar como ambos se conciliariam, pois isso demandaria um tipo de conhecimento que é impossível ao homem na Terra. Aqui neste caso cabe uma explicação (de Kant) a respeito da criação de seres livres, que é igualmente incompreensível para o entendimento humano, porque parece contradizer o próprio conceito de liberdade:

    “NEM SEQUER PODEMOS CONCEBER COMO É POSSÍVEL QUE DEUS CRIE SERES LIVRES; PORQUE ENTÃO TODAS AS AÇÕES FUTURAS DESSES SERES SERIAM APARENTEMENTE PRÉ-DETERMINADAS POR AQUELE PRIMEIRO ATO, INSERIDAS NA NECESSIDADE NATURAL E, POR CONSEGUINTE, NÃO SERIAM LIVRES. No entanto, que eles (nós, os homens) são livres prova-o o imperativo categórico, com um propósito prático-moral, por meio de algo como um veredito da razão, sem que esta, todavia, possa tornar teoricamente compreensível a possibilidade desta relação de uma causa com o seu efeito, porque ambas são suprassensíveis. - A ÚNICA COISA QUE SE PODE A ESSE PROPÓSITO EXIGIR É SIMPLESMENTE QUE PROVE QUE NÃO EXISTE CONTRADIÇÃO ALGUMA NO CONCEITO DE CRIAÇÃO DE SERES LIVRES; e isto pode muito bem acontecer, demonstrando que a contradição só tem lugar quando se se faz acompanhar a categoria da causalidade da CONDIÇÃO TEMPORAL, que não pode ser omitida na relação com os objetos dos sentidos (a saber, que a causa de um efeito o preceda) e também na relação entre seres suprassensíveis (o que teria também que acontecer efetivamente se aquele conceito de causa há-de adquirir realidade objetiva na perspectiva teórica); MAS ELA - A CONTRADIÇÃO - DESAPARECE QUANDO SE UTILIZA A CATEGORIA PURA (...) NO CONCEITO DE CRIAÇÃO COM UM PROPÓSITO PRÁTICO-MORAL, NÃO SENSÍVEL.

    O jurisconsulto filósofo não interpretará como subtileza desnecessária, QUE SE PERDE NUMA OBSCURIDADE ESTÉRIL, esta indagação que chega até os primeiros elementos da filosofia transcendental numa METAFÍSICA DOS COSTUMES, se refletir sobre a dificuldade do problema que há que resolver e bem assim também sobre A NECESSIDADE de nesta reflexão SATISFAZER OS PRINCÍPIOS DO DIREITO.” (grifei) (Kant em Metafísica dos Costumes, §28)

    Raciocínio similar vale também para explicar a aparente contradição entre onisciência divina e liberdade da vontade. Mas isso ocorre apenas porque o meu adversário considera apenas relações no tempo, e a liberdade, se existir, está fora do tempo. Isso não tem objetivo teórico, pois aqui se trata de coisas incognoscíveis, mas é simplesmente com o fim de eliminar a aparente contradição e permitir a postulação da liberdade, com objetivo prático-moral, a fim de satisfazer princípios não só de Direito, mas Éticos e também Religiosos.

    3) O fato de não podermos conhecer uma coisa não nos dá o direito de conceber hipóteses absurdas para elas. Só pode existir a causalidade “livre” ou “não livre” (natural). Isso é igual o “1” e “0” booleanos, ou o “Sim” ou “Não”. Isso é um princípio lógico, que o meu adversário ignora e viola. Não há um “talvez”. Se digo “talvez” é porque não sei ainda se é um “sim” ou um “não”, e não porque acho que é uma opção alternativa ao “sim” e o “não”. A indeterminação apenas me diz que eu não sei responder, e não que não é “livre” nem “não livre”. Isso é tão simples de entender que chega a ser constrangedor eu ter que me estender sobre esse assunto. De resto vale o que já disse anteriormente.
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  14. 4) De novo, o meu adversário parece que ainda não entendeu que eu não pretendo provar o L.A., de modo que não preciso apresentar prova alguma daquilo que não intento provar. Quem precisa apresentar provas é quem deseja provar.

    E eu mostrei suficientemente bem que o jogo das probabilidades pode ser jogado por ambos os lados, e se tivesse que desequilibrar essa balança seria por conta da minha obrigação objetiva de viver no mundo como se fosse livre, assim como tratar todos os outros como se fossem livres e possuidores da mesma dignidade e direitos concernentes aos seres livres. E eu de forma alguma creio que essa balança das probabilidades esteja equilibrada. Pelo contrário, eu creio que ela pende fortemente para a existência do L.A., por conta da existência dos produtos organizados teleologicamente na natureza, como já expliquei. Eu apenas concedo que essa balança esteja equilibrada a fim de formalizar a paz com a Ciência, e seria ótimo se ela fizesse o mesmo e se abstivesse de tratar desse assunto que está fora do seu escopo.

    E ademais, probabilidade não prova nada. Para uma questão tão importante quanto essa, ou sabemos ou não sabemos, e o cálculo probabilístico é absolutamente inútil e quimérico, porque como quero crer na liberdade, eu poderia sempre me agarrar na última ponta de esperança que me restasse, por mais improvável que fosse, assim como o fazem os que não querem crer na liberdade. O cálculo probabilístico só é útil quando precisamos tomar decisões concernentes à natureza, mas não para decidir sobre coisas suprassensíveis, especialmente as de uso da Filosofia Prática como o L.A. e que afetam fortemente a Ética, o Direito e a Religião.

    5) Todos os produtos teleológicos presentes na natureza sugerem (fortemente) a intervenção de uma inteligência. Imagine que daqui a bilhões de anos a Terra se torne um planeta morto como Marte, que tudo tenha se dissolvido a não ser uma simples “caneta Bic”, que venha aqui um explorador fazer escavações, como hoje fazemos em Marte, e que essa caneta razoavelmente conservada fosse encontrada. Isso seria considerado evidência suficiente não apenas de uma anterior presença de vida na Terra, mas de uma anterior presença de vida INTELIGENTE na Terra. Nós também identificamos a idade do homem na Terra pelos mesmos critérios, ou seja, pela presença de ferramentas rudimentares, pinturas rupestres, etc... O meu adversário, portanto, apenas zomba de si próprio.

    6 e 7) O ser livre deve ser postulado como indivisível por causa de sua individualidade, pois a individualidade não se divide. Na verdade, se pudesse ser dividido, seriam então dois indivíduos livres e não apenas um. Isso não é concebível de existir no mundo que entendemos como fenomênico, pelas razões que já expliquei nas minhas exposições anteriores. Algo composto apenas de uma única peça indivisível e que ainda por cima se autodetermina não pode ser sequer por nós pensado como extenso, como tendo massa, etc...

    Portanto, essa questão sobre a existência ou inexistência do L.A. está fora do alcance da Ciência para sempre, e nada do que diga a favor ou contra a tese, valor algum terá. A Ciência deve se ocupar apenas do que pode conhecer, ou seja, de tudo aquilo que seja objeto de uma experiência possível. Passou disso é “leviana vagabundagem” de desocupados que perseguem quimeras.

    8) Se o L.A. existir, ele é sobrenatural? Depende do significado que está empregando para a palavra. Se por “sobrenatural” se entende o que simplesmente é suprassensível, ou seja, o que não é perceptível pelos nossos sentidos e/ou não pode ser compreendido pela nossa faculdade de entendimento, por não poder ser representado em tempo e espaço, de modo que para nós seria como se não existisse, então realmente a liberdade seria “sobrenatural”. Mas se por “sobrenatural” se entende alguma coisa mágica, capaz de violar as leis naturais (que são determinísticas) e produzir os chamados “milagres”, então não é a isso que me refiro quando falo de L.A.
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  15. Porque entendo que a atuação da liberdade não precisa violar uma única lei natural sequer e que não é incompatível com essa lei. O meu Deus, portanto, não é um Deus de milagres. É um Deus moral que não viola as suas próprias leis naturais.

    Na verdade, isso que chamam de indeterminismo é que seria algo milagroso. Não é “livre” nem “não livre”. Então é o quê? Só pode ser um milagre.

    Por fim, falta falar somente das implicações para a Ética e o Direito da existência ou inexistência do L.A..

    Coisas têm preço. Seres livres têm dignidade, que é justamente definido como aquilo que não tem preço, que está acima de qualquer preço. Se você destrói o meu carro, eu ficaria satisfeitíssimo se você me ressarcisse com um de igual ou maior valor utilitário. Mas se você por acidente mata uma pessoa, esta não poderia ser ressarcida ainda que você pudesse dar o mundo inteiro em troca.

    Sem a liberdade, estamos sujeitos apenas às leis naturais. Com a liberdade estamos sujeitos às leis morais e naturais, sendo que a primeira tem precedência sobre a segunda.

    Uma doutrina do Direito se refere às nossas obrigações com relação aos outros. As obrigações para comigo mesmo pertencem à doutrina da Virtude. A doutrina Ética abrange os dois como generalidade.

    Com a liberdade, a doutrina do Direito fundamenta-se em primeiro lugar na dignidade (e também, por consequência, na autonomia e isonomia), e somente em segundo lugar na utilidade, quando a dignidade estivesse plenamente atendida. Sem a liberdade, a doutrina do Direito começa e termina na utilidade, a palavra dignidade não faz o menor sentido, e o nome “Direito” torna-se então um mero disfarce para utilitarismo.

    Uma pessoa é medida por sua dignidade. Um animal por sua utilidade. Se tenho, por exemplo, um cavalo com a pata quebrada, posso sacrificá-lo por não ser mais ÚTIL. Mas se tenho em casa uma pessoa doente, inválida, eu não posso sacrificá-la sob o argumento de que não é mais útil no mundo, porque trata-se de uma pessoa, livre, que possui dignidade, não podendo ser simplesmente descartada como uma “coisa” que não serve mais, pois ela é o fim de toda a utilidade.

    Mas quando abandonamos o conceito de liberdade não conseguimos deixar de aplicar o critério utilitário também para pessoas. Bernard Shaw, por exemplo, na década de 30 do século passado, falou em vídeo:

    “Todos devem conhecer ao menos meia dúzia de pessoas que não têm UTILIDADE nesse mundo, que são mais um problema do que aquilo que valem. Apenas coloque-os lá e diga: ‘Sr. ou Sra., você será gentil o suficiente para justificar sua existência’. ‘Se não pode justificar sua existência, se não está produzindo tanto quanto consome, ou de preferência mais, então não podemos usar a grande organização da sociedade para mantê-lo vivo, porque sua vida não nos beneficia nem pode ser muito ÚTIL a você mesmo’.” (No documentário “A História Soviética”, 20:30min aprox.)

    A primeira metade do século XX pode ser entendido como uma época em que o conceito de liberdade (e consequentemente de dignidade) viveu o seu crepúsculo, e todo o mundo viu as consequências quando as pessoas começaram a ser usadas e descartadas como coisas em razão da valoração de suas utilidades.

    É justamente para tentar acabar com esse tipo de interpretação que a Declaração Universal dos Direitos Humanos já diz em seu Artigo I:

    “Todas as pessoas nascem LIVRES e IGUAIS EM DIGNIDADE E DIREITOS. SÃO DOTADAS DE RAZÃO e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

    Provas? Para quê? Bastam que inexistam as provas do contrário, ou seja, de que não somos livres, porque então podemos postular a liberdade com todos os direitos que a acompanham.

    Essas são as implicações do abandono do conceito de L.A. e essas “crianças” que se dizem cientistas não sabem o quanto é perigoso brincar com esse assunto. Ele não pertence à Ciência. Pertence somente à Ética, ao Direito e à Religião e a Ciência não é chamada a sequer opinar sobre esse assunto, já que nada pode nem poderá afirmar de objetivo sobre o tema.
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  16. Rafael Gasparini Moreira X Alex Cruz - Livre Arbítrio

    TRÉPLICA


    Tal como eu imaginava, o Sr. Rafael caiu na fase das estrebuchadas logo no início, não consegue distinguir a pertinência dos conceitos e não enxerga seus erros de referência. Cada um julgue por si mesmo a situação do rapaz.


    1) Aspecto relativo e absoluto

    Quando as limitações do oponente impedem que sejamos compreendidos, não há diálogo possível. De nada me adiantou ser pacientemente didático. A prova de que o Sr. Rafael está completamente perdido aqui é que sua tréplica sequer toca na distinção que estabeleci entre assumir a inexistência do L.A. (até demonstração em contrário) e aplicar essa postura na prática, deitando-se no chão e esperando acontecer o que quer que tenha de acontecer. Seu raciocínio mistura as categorias e pode ser resumido na seguinte pérola silogística:

    Premissa 1: Não é possível “provar a inexistência” do L.A.
    Premissa 2: Crer na existência do L.A. é útil na prática.
    Conclusão: Devo crer que o L.A. existe.

    Troque-se “L.A.” pelo “velho do saco” (aquele que leva embora as crianças desobedientes) e temos aí uma insidiosa ferramenta para a propagação de mentiras úteis. Todas as minhas tentativas de fazer com que um pouco de bom senso entre na cabeça do Sr. Rafael foram frustradas. Neste silogismo bizarro nada escapa ileso: A premissa 1 é problemática e eu já cansei de tentar fazer meu oponente perceber o problema de “provar a inexistência” do que quer que seja. A premissa 2 é equivocada, pois independente de se “crer” ou não no L.A., presumir sua inexistência não modificará o aspecto prático das relações sociais. A conclusão, além de claramente não decorrer das premissas, denota um execrável desapreço pelo que é verdadeiro em nome do que é meramente conveniente. Precário, Infantil e muito embaraçoso.


    2) História

    Eu fiz uma pergunta bem clara ao Sr. Rafael sobre quem criou, antes mesmo de eu nascer, a informação que deveria ser criada apenas pelo meu suposto L.A. Sua resposta é que a liberdade está “fora do tempo”, esvaziando o sentido do verbo “criar”. E o que diabos significa estar “fora do tempo”? O próprio Rafael admite que isso é incognoscível. Mas o único objetivo de escapar de uma contradição é justamente o de evitar o absurdo. Ou é por desonestidade ou por ignorância que alguém tenta recorrer a um absurdo para evitar outro absurdo e ainda acha que resolveu a contradição. Da mesma forma, uma força irresistível e um objeto inamovível não podem existir ao mesmo tempo. Mas, segundo o raciocínio manco do Sr. Rafael, basta dizer que um dos dois está “fora do tempo”. Um absurdo substitui o outro. Precário, Infantil e muito embaraçoso. No mais, será que foi apenas porque está ficando clara a falta de profundidade do Sr. Rafael que ele resolveu citar Kant?


    3) (In)determinismo X Livre Arbítrio

    Eis a pérola: —“O fato de não podermos conhecer uma coisa não nos dá o direito de conceber hipóteses absurdas para elas. Só pode existir a causalidade “livre” ou “não livre” (natural). Isso é igual o “1” e “0” booleanos, ou o “Sim” ou “Não”. Isso é um princípio lógico, que o meu adversário ignora e viola.”— Já cansei de falar sobre os limites em que a razão opera e as dificuldades práticas para esclarecer o movimento das partículas. Se o sujeito só entende as coisas nos termos simplórios em que se expressa, então vou adotá-los: o movimento de partículas subatômicas é “não livre”, da mesma forma que ele é “não causado por um elefante rosa voador”. O que o causa então? Não sabemos e isso não nos autoriza a dizer que é a “liberdade” ou o “elefante rosa voador”. Mais simples do que isso impossível!


    4) A questão dos universais

    Primeiro vamos desbaratar uma mentira: —“E eu mostrei suficientemente bem que o jogo das probabilidades pode ser jogado por ambos os lados, e se tivesse que desequilibrar essa balança seria por conta da minha obrigação objetiva de viver no mundo como se fosse livre (...)”— Não minta, Sr. Rafael, que eu lhe pego e exponho sua desonestidade. 
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  17. Você não demonstrou nenhuma probabilidade favorável à existência dos universais e se demonstrou, demonstre de novo, porque eu não a vi. Além disso, seu critério para “desequilibrar a balança” já foi colocado em seu devido lugar no tópico 1. O que mais você tem a fazer além de admitir que é apenas por dogmatismo que você acredita na existência independente de uma “pura inteligência”?


    5) A base física de uma ilusão

    Eu apresentei um caso clínico (entre muitos outros) que apontam para o fato de que nosso L.A., se existir, tem base física. Em estrita observância ao direito de resposta que um adversário deve ter em um debate, dei por duas vezes ao Sr. Rafael a chance de nos mostrar qualquer experiência que “sugira fortemente” o contrário. O resultado foi ainda pior do que nenhum: —“Todos os produtos teleológicos presentes na natureza sugerem (fortemente) a intervenção de uma inteligência.”— Primeiro que isso não tem nada a ver o fato de que nossa suposta liberdade de fazer escolhas não é realmente livre, pois muda quando ocorrem lesões cerebrais. Segundo que cabe aqui a pergunta: de que produtos teleológicos presentes na natureza você está falando, Sr. Rafael? Mostre-nos um produto teleológico natural (e não uma caneta BIC, ó grande gênio!), mostre que ele tem uma finalidade clara e inequívoca, mostre-nos de onde vem essa finalidade. Estou torcendo para vê-lo dizer que as árvores existem para lhe dar sombra, ou que a chuva existe para regar seu jardim, ou que o arco-íris existe para você admirá-lo. A concepção de mundo do confuso cidadão ignora os últimos três séculos e meio de desenvolvimento filosófico e científico: está presa à causa final aristotélica e nem concebe a ingenuidade do referencial antropocêntrico de sua teleologia cretina (desculpe, mas a palavra é essa mesmo). É natural que muitos autores tenham pensado como o Sr. Rafael... mas só até o começo da Idade Moderna. Hoje manter-se na ignorância é opção. Se o Sr. Rafael a escolheu por preguiça ou por pura safadeza eu não sei, mas está claro que nenhum dos motivos merece respeito, especialmente quanto o sujeito ignora sistematicamente tudo quanto eu ou qualquer outro faça para tentar esclarecê-lo.


    6) O Livre Arbítrio é acessível pelo método científico? Até que ponto?

    Eu mostrei as linhas gerais de um experimento que poderia testar a variável da volição na criação de informação no universo, ou seja, demonstrei que a ciência poderia pelo menos mostrar que um “ser livre” está conscientemente criando algo inteiramente novo no mundo. Meu oponente se fez de morto e não disse uma palavra sobre este assunto. Contenta-se em repetir-se “ad nauseam”: —“essa questão sobre a existência ou inexistência do L.A. está fora do alcance da Ciência para sempre, e nada do que diga a favor ou contra a tese, valor algum terá.”— Em vez de agir com retidão e admitir que não havia pensado no experimento a que me referi, o Sr. Rafael se presta a esse papel de trambiqueiro só para ser desmascarado logo a seguir. Não há dúvidas: o sujeito é desonesto e ignora o que seu oponente lhe diz quando está sem saída.


    7) O ser livre é indivisível?

    Enquanto eu demonstro todas as estruturas biológicas necessárias para o surgimento de um suposto L.A., arguindo que se trata de um ser complexo e que a suposta liberdade é um atributo do conjunto, obtenho como resposta do nosso charlatão mais uma pérola de patente circularidade: —“O ser livre deve ser postulado como indivisível por causa de sua individualidade, pois a individualidade não se divide.”— Ou seja: ele atribui ao conceito de “ser livre” uma existência autônoma e imaterial (vide questão dos universais) atribui-lhe a qualidade da individualidade e constata singelamente sua indivisibilidade. Eu demonstrei o erro dessa visão na questão dos universais, mas ele não demonstra o erro na minha visão biológica. Tenho todos os seres humanos do planeta para apontar a materialidade e a divisibilidade de seres supostamente livres, e o Sr. Rafael tem o quê? Nada além de sua famosa metafísica perneta. Como levar a sério?
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  18. 8) O L.A., se existir, é sobrenatural?

    Não há mais o que dizer aqui e talvez nem fosse necessário abrir este tópico. A questão dos universais e as experiências que demonstram que um suposto L.A. tem uma base física já atestam o fato de que não há nada de sobrenatural envolvido nessa questão. Não vou discutir com o Sr. Rafael sobre o que seja “sobrenatural”, pois ainda que cheguemos a um denominador comum, já está claro que isso será um exercício de futilidade: ele, desonesto que é e desorientado que está, não tem compromisso com os termos que emprega.


    9) O Livre Arbítrio é um bem?

    Aqui vai uma questão para estimular o Sr. Rafael a fornecer mais uma de suas apreciações filosóficas com toda comicidade que elas têm. Tentarei ser bem simples para que até ele consiga me compreender. Constantemente vejo religiosos defenderem a ideia de que Deus quer preservar nossa liberdade, mas não encontro muitos que se aventuram a questionar se essa liberdade seria mesmo um bem. Sabemos que os seres humanos têm percepções diferentes sobre o que é bom ou ruim, sobre o que é certo ou errado, etc. Mas como determinar se o L.A. é realmente bom, independente das aparências? Para responder a essa pergunta, vamos analisar dois cenários: um com um moral subjetiva e outro com uma moral objetiva.

    Se a moral é subjetiva, ou seja, não há um parâmetro absoluto para dizer se determinada ação humana é certa ou errada, estamos em um mundo em que não existe um Deus como o apresenta o Cristianismo: fonte primária da moral e paradigma do bem e da justiça. Assim, esses valores são apenas conceitos humanos mutáveis e a percepção individual sobre o bem e o mal não pode estar, em si mesma, equivocada, pois é de natureza relativa e não tem valor de verdade absoluta independente da mente que a originou. Em outras palavras: entre as várias escolhas que um indivíduo pode fazer, não existe uma que seja objetivamente certa ou melhor que as outras. O que é certo para A pode ser errado para B e ambas as concepções são válidas nos limites em que ocorrem, ou seja, nas mentes de A e de B; e ainda que posteriormente as concepções deles se modifiquem, eles nunca estiveram objetivamente equivocados quanto ao que escolheram. Neste cenário, ter L.A. é algo positivo para os indivíduos, pois cada um poderá buscar livremente o que acredita ser bom e justo sem estar objetivamente errado quanto a sua escolha.

    Entretanto, em um mundo em que existe uma moral objetiva e um paradigma absoluto do bem, ou seja, em que existe um Deus cristão, a coisa se modifica: entre os vários caminhos que um ser livre pode tomar, há sempre um que é objetivamente melhor, independente de sua percepção individual. Assim, o que parece certo para A pode parecer errado para B, mas um deles está objetivamente correto e o outro errado. Neste cenário, ter L.A. na verdade é algo negativo, pois o L.A. nada mais representa do que a possibilidade de tomar o caminho errado e se afastar de um estado de coisas que é objetivamente bom. Neste cenário, ter L.A. é apenas abrir espaço para o erro e para mal, coisa que as criaturas imperfeitas podem fazer inocentemente convencidas de que estão praticando o bem. É irônico que cheguemos a uma situação em que ter L.A. só é vantajoso se não houver uma moral objetiva. E se assim não for, o Sr. Rafael que tente mostrar uma vantagem de ter L.A. sem recorrer a absurdos do tipo “Deus é misterioso!”

    Esta última questão está longe de se esgotar, pois tem muitos desdobramentos, hipóteses e cenários possíveis. Vejamos se terei oportunidade de tratar deles nas CFs dependendo do que tem a dizer o meu desorientado oponente. Eu, na verdade, estou tratando dessas conjecturas apenas por uma concessão aos delírios do Sr. Rafael, pois tratar de um mundo com divindades e L.A. é como discutir a composição química do chifre de um unicórnio. Em todo caso, será pelo menos engraçado vê-lo teorizar sobre o assunto. Assim sendo, passo-lhe a palavra a despeço-me com os...


    cumprimentos do “sofista, agressivo, mercenário, indigno, torpe, desprezível e impudico”
    Alex Cruz.
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  19. Parece que meu adversário e eu já concordamos que o L.A. não pode ser provado existente nem não existente. NÓS DOIS agora vamos então apenas discutir CRENÇAS, ou seja, eu vou argumentar sobre o porquê devemos ACREDITAR na existência do L.A. e o meu adversário vai argumentar sobre o porquê devemos ACREDITAR na inexistência do L.A. Como da outra vez, vou numerar na sequência proposta pelo meu adversário.

    1) Porque é que meu adversário acha que eu deveria assumir a inexistência do L.A. até prova em contrário ao invés de assumir a existência do L.A. até prova em contrário? Eu expliquei suficientemente bem (para bom entendedor) porque devemos nos considerar (e aos outros) livres e não o contrário. Mas cada um é livre para crer conforme a sua consciência.

    2 e 3) Essa discussão é inócua se já concordamos que o L.A. não pode ser provado existente nem inexistente. A minha resposta anterior é suficiente (para bom entendedor).

    4 e 5) Eu mostrei que a teleologia da natureza depõe favoravelmente para a tese da existência de uma causa livre. A caneta Bic é o mais simples possível. Mas o corpo de um animal, em que todas as suas partes (olhos, aparelho digestivo, circulatório, etc...) têm uma função específica, como se houvesse sido projetado, também depõem a favor da tese de uma causa inteligente (livre). Tudo o que há de organizado na natureza depõe a favor dessa tese. Não provam nada, assim como as tuas “probabilidades” não provam nada a favor da tua tese. Eu não usei o argumento teleológico para te provar o L.A., mas apenas para enfraquecer o seu falacioso argumento probabilístico a respeito da inexistência do L.A. Na discussão do L.A., do ponto de vista objetivo, não é lícito mover o ponteiro das probabilidades para qualquer posição diferente dos 50% para cada lado.

    E o L.A. ter base física é a mesma coisa que não ter L.A. Não tenta me enrolar. Diz logo que não acredita no L.A. que é o mais honesto a ser feito e não fique criando enroscos intelectuais que não vão chegar a lugar algum.

    6) As minhas respostas anteriores são suficientes para entender esta objeção também. Não há experiência possível capaz de provar ou refutar o L.A. Isso seria igual tentar provar ou refutar a existência de Deus. Faltou um pouco de Filosofia da Ciência aí.

    7 e 8) Liberdade divisível não é livre de fato. O meu adversário na verdade está criando um conceito não-livre, material, e está disfarçando de L. A. para ver se eu compro esse gato por lebre. Diz logo que não crê no L.A. e não tenta enrolar.

    9) Aqui neste item o meu adversário tenta nos convencer porque não deveríamos crer no L.A (ou porque deveríamos crer na inexistência do L.A. até prova em contrário, o que é no fundo a mesma coisa). Como a crença é livre, o leitor que avalie se os argumentos do meu oponente são suficientes para fundamentar a crença na inexistência do L.A, ou se os meus são mais convincentes. Só esclareço que as minhas razões decorrem TODAS do PRINCÍPIO DA AUTONOMIA, e não têm nenhuma base em livro religioso algum, ou na História, seja do Cristianismo, seja do Espiritismo. O princípio da autonomia é suficiente para deduzir tudo, e as referências bíblicas são apenas subsidiárias, apenas para mostrar que a ideia já havia sido pressentida anteriormente nas Escrituras.

    Por fim, alguns conceitos jurídicos que só podem ser deduzidos da liberdade (é apenas um ensaio e deve ser refinado):

    1. Todo o existente se divide em pessoas (na qualidade de seres livres) e coisas.

    2. “Seres livres” são “objetos” cujas existências não podem ser provadas existentes nem inexistentes (pois são contingentes e suprassensíveis), mas que devem ser pressupostos existentes em nós (na verdade eles são “nós”), e que são definidos como simples e autodeterminados (capazes de agir de forma completamente independente de condicionamentos exteriores). Têm dignidade.


    3. “Coisas” são objetos cujas existências são empiricamente provadas (pois apesar de serem também contingentes, são sensíveis) e são definidos como não necessariamente simples e são determinadas. Têm preço ou valor.
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  20. 4. Seres livres e coisas possuem leis próprias e independentes que os regem (leis morais e naturais, como já explicado).

    5. O homem na Terra é pressupostamente um ser dual, ou seja, é pressupostamente livre e certamente natural.

    6. Desse modo, o homem está submetido tanto às leis que regem as coisas como às leis que regem a liberdade. Essas leis não interferem entre si, de modo que seres racionais não podem ser valorados (qualitativa ou quantitativamente) como coisas, e as coisas não podem ser morais ou imorais. Quando o homem age movido por sua razão (ou seja, quando age “livremente”), diz-se que foi justo ou injusto; quando age movido pela sua natureza empírica, ele não é justo nem injusto (ainda que pratique o mal).

    7. Das leis da razão e das coisas derivam-se princípios, adequados às suas características.

    8. Os princípios derivados das leis da razão (doravante chamados de “princípios racionais”) são a dignidade, autonomia e isonomia, já explicados.

    9. Os princípios de ação derivados das leis das coisas (doravante chamados de “princípios naturais”), e eles visam à maior obtenção possível de felicidade para os indivíduos.

    10. Princípios racionais têm preponderância sobre os princípios naturais (pois os seres racionais são fins em si mesmos e têm preponderância sobre as coisas).

    11. A aplicação negativa dos princípios racionais é não-empírica, imponderável, em nada depende da colaboração da natureza e, portanto, em nada depende dos princípios naturais; consequentemente não são geradores de conflitos.

    12. A aplicação positiva dos princípios racionais (fomento) é empírica, depende da colaboração da natureza (por meio da aplicação dos princípios naturais) e, consequentemente podem ser geradores de conflitos (pois os recursos naturais não são ilimitados), a fim de se decidir onde serão primeiramente aplicados.

    13. A aplicação negativa dos princípios racionais têm precedência e limita a aplicação positiva, pois princípios racionais não toleram sua violação. Desse modo, é impossível que qualquer pessoa no mundo possa se sentir obrigada pelas circunstâncias a cometer alguma injustiça (ou seja, a violar a dignidade, autonomia ou isonomia de outrem), pois em última instância ela poderá sempre “não agir”. Pode-se até não conseguir evitar uma tragédia, mas é sempre possível evitar cometer uma injustiça.

    14. Dos princípios racionais deriva-se uma doutrina Ética, da qual o Direito é parte. A parte da Ética que não pertence ao Direito chama-se Virtude.

    15. A natureza da Ética é, portanto, racional e objetiva (imponderável).

    16. A Virtude refere-se ao que o indivíduo faz ou deixa de fazer pela própria autonomia, dignidade e/ou isonomia; apenas o próprio indivíduo é afetado.

    17. O Direito refere-se ao que os indivíduos fazem ou deixam de fazer pela autonomia, dignidade e/ou isonomia alheia; afeta os outros.

    18. A aplicação dos princípios racionais visa sempre, em última instância, à dignidade, autonomia e isonomia.

    19. A aplicação dos princípios naturais visa sempre à felicidade, às vezes chamada também de utilidade, ou bem-estar.

    20. A forma de Estado em que os princípios naturais se sobrepõem aos princípios racionais é chamada de Estado Utilitarista (ou Estado do bem-estar social). O nome "Direito" neste caso (quando evocado) torna-se eufemismo para utilitarismo.

    21. A forma de Estado em que os princípios racionais se sobrepõem aos princípios naturais pode ser chamado de racional; este Estado poderia inicialmente ser concebido como Ético ou de Direito.

    22. O Estado Ético cuidaria não apenas do Direito, mas também da Virtude.

    23. O Estado de Direito cuida apenas do Direito, relegando a Virtude para os próprios indivíduos.

    24. O Estado Ético não pode existir sem violar nenhum princípio racional, pois ao cuidar da Virtude ele violaria exteriormente o princípio da autonomia dos indivíduos, ao fazer por eles o que têm por direito e obrigação de fazerem por si próprios.
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  21. 25. O Estado de Direito pode existir sem violar nenhum princípio racional. Só este, portanto, pode ser chamado de Estado puramente racional.

    26. Um Estado de Direito deve ocupar-se de princípios naturais apenas com o fim de fomento dos princípios racionais, com o fim de remover os óbices ao exercício da liberdade. A aplicação de princípios naturais, sem relação com os princípios racionais, pertence unicamente aos indivíduos na busca da própria felicidade. Se o Estado se intromete neste último, viola a autonomia dos indivíduos.

    27. O Brasil denomina-se a si próprio na sua Constituição com “Estado Democrático de Direito”. Portanto, deveria tratar apenas de princípios racionais e de princípios naturais apenas quando eles se relacionassem com os princípios racionais (sob a ótica do Direito).

    28. A interpretação da Constituição, em casos de conflito, deveria, portanto, se submeter aos princípios racionais do Direito.

    29. Sobre os princípios e as regras:

    29.1 a razão é a faculdade de princípios; o entendimento é a faculdade das regras (Kant, Crítica da Razão Pura, A299;B356). a razão relaciona-se com o entendimento e este com as intuições;

    29.2 a consequência é que as regras sempre derivam-se de princípios; de um único princípio é possível a enunciação de uma infinidade de regras;

    29.3 o entendimento é uma faculdade que partilhamos com os animais e máquinas, pois estes também são capazes de assimilar regras;

    29.4 a razão é uma faculdade pertencente apenas aos seres racionais; somente o homem (único ser racional sobre a Terra) apreende princípios por detrás das regras, assim como subsume regras de princípios. Por isso o homem tanto legisla (por meio da razão) como cumpre regras (por meio do entendimento, pois é também natural), ao passo que o animal só cumpre regras.

    29.5 o que diferencia princípios de regras é que estes últimos podem ser aplicados por máquinas e os primeiros só podem ser aplicados por homens (únicos seres livres sobre a Terra). Aplicação de princípios nunca podem ser mecanicizado.

    30. Do anterior, pode-se extrair as seguintes diretivas para a arbitragem nos conflitos de aplicação de princípios:

    30.1. a aplicação negativa de princípios racionais é imponderável e tem precedência sobre tudo; eles jamais conflitam entre si. O Estado de Direito deve tanto aplicá-los negativamente como obrigar todos os cidadãos a fazê-lo;

    30.2 caso não haja conflito com a aplicação negativa dos princípios racionais, a sua aplicação positiva só pode deixar de ser realizada pelo Estado por limitações naturais (reserva do possível) e não por uma determinação da vontade. O fomento à aplicação positiva dos princípios racionais é obrigação do Estado (educação, facilidades de comunicação, publicidade, etc...). A intensidade da aplicação pode ser ponderada;

    30.3. não deveria ser admitida a interferência do Estado que quer ser de Direito na aplicação positiva de princípios naturais que não se relacionem com princípios racionais, que é o chamado paternalismo (pois isso fere a autonomia dos indivíduos);

    30.4 a abstenção estatal imotivada na aplicação de princípios racionais recebe o nome de anarquia e igualmente viola a autonomia dos indivíduos.

    31. A aplicação positiva dos princípios racionais pelo Estado de Direito pertence às casas Legislativa e Executiva.

    32. A aplicação negativa dos princípios racionais pelo Estado de Direito pertence à casa Judiciária (e por isto mesmo esta é às vezes denominada de “legislador negativo”).

    O argumento acima exposto apenas mostra os raciocínios que são possíveis quando se separa no homem a sua parte racional da sua parte natural. Se essas partes não são pensadas em separado, recai-se no utilitarismo, onde tudo é regido e decidido segundo leis naturais, que é, sem exagero, o ponto de encontro de todo o mal que existe, existiu e existirá sobre a Terra.

    Obs.: lembro ao meu adversário, que me chamou de “desonesto”, que essa palavra é totalmente destituída de sentido em um mundo sem L.A.. Isso é de entendimento trivial e espero não ter que me estender nas explicações do porquê.
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  22. Rafael Gasparini Moreira X Alex Cruz - Livre Arbítrio


    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    “Os homens tendem a acreditar sobretudo naquilo que menos compreendem.”
    (Michel de Montaigne)


    É apenas “pro forma” que escrevo estas CFs, pois o debate bem poderia ter terminado com a última participação do Sr. Rafael. Percebi que a qualidade da argumentação do meu colega foi caindo ao longo do debate enquanto que eu, a cada participação, ingenuamente acreditava que ele não poderia ficar pior do que na anterior. Surpresa após surpresa, o recorde naturalmente pertence às suas CFs: o rapaz escapuliu-se de todos os raciocínios e desafios com que suas ideias foram criteriosamente contestadas. É lugar-comum para debatedores desonestos ignorarem o oponente quando se veem numa situação em que manter sua tese os expõe patentemente ao ridículo. Em vez de passarem pela situação de admitir um erro, o que não é nenhum demérito, fogem dos questionamentos na esperança de que ninguém perceba nada. Mal sabe o Sr. Rafael que, se tivesse um pouco mais de caráter e de prudência para assumir equívocos neste debate, sairia dele numa posição muito mais digna: ganharia, senão o apreço, pelo menos o respeito dos leitores. Mas, por masoquismo ou por pura idiotice, o sujeito não se satisfaz em sair da discussão refletindo silenciosamente sobre sua visão de mundo abalada, mas faz questão de manter a mentira até o fim e de ser confirmado como fujão. Pois que seja! Vejamos o pouco que merece resposta nas suas CFs.

    Dizem por aí que não existem perguntas estúpidas. Mas o Sr. Rafael é um pensador peculiar que desafia a sabedoria popular neste aspecto: —“Porque é que meu adversário acha que eu deveria assumir a inexistência do L.A. até prova em contrário ao invés de assumir a existência do L.A. até prova em contrário?”— Pelo mesmo motivo que não deveria assumir a existência do Saci até prova em contrário. Já expliquei isso vezes sem conta. Um pensador honesto percebe imediatamente a que espécie de absurdos o leva este critério. Mas se o Sr. Rafael não “deveria”, isso não significa que ele não “poderia” acreditar. Não é da minha alçada neste debate botar defeitos no que ele acredita ou do que duvida. Isso é lá com ele. O que me propus a fazer aqui foi mostrar que esse critério de crença não é razoável nem honesto. Não é razoável porque serve para acreditar em qualquer coisa, como já demonstrei fartamente, e não é honesto porque o Sr. Rafael o abraça para assumir a existência do L.A., mas o rejeita quando se trata da existência do Saci. Será que isso é coerente?

    De quanta cara de pau precisa uma pessoa, que não se dignou a responder a nenhum dos desafios a que suas ideias a levaram, para dizer que fui eu que fiquei com evasivas no debate? Muita mesmo: —“Diz logo que não crê no L.A. e não tenta enrolar.”— E quando foi que fiz mistério disso? Não creio no L.A. nem no Saci, pelos mesmíssimos motivos. Na vã tentativa de travar um diálogo produtivo com meu oponente, fui bastante liberal com suas crendices e mostrei-me disposto a adotar uma postura “agnóstica” quanto ao L.A. para demonstrar que este agnosticismo é meramente nominativo. O resultado foi uma catástrofe: não fui compreendido e até agora o Sr. Rafael não consegue perceber a diferença entre falar de L.A. em termos absolutos e em termos práticos. Vale a pena explicar de novo? Acho que não. Mas a culpa foi minha por superestimar a cognição e a boa vontade desse colega.

    Há mais bobagens do Sr. Rafael que eu poderia comentar, como a sua “teleologia natural”, tradução da mais completa ignorância em biologia; a experiência para testar a variável da volição na criação de informação no universo; além de toda a reflexão que apresentei acerca do valor do L.A. em um mundo com moral objetiva e subjetiva... tudo foi pomposamente ignorado. Em vez de me contestar, o rapaz utilizou a maior parte do espaço disponível para apresentar “conceitos jurídicos” que, segundo ele, “só podem ser deduzidos da liberdade”. Pois, para mim, a única coisa que foi possível deduzir disso é que o Sr. Rafael não sabe o que é um conceito.
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  23. Mas apesar de todas as decepções que tive aqui, cumpre dizer que ele não é o primeiro e nem será o último impostor da rede. O mundo está cheinho de pessoas que têm compromisso com a ideologia e não com a verdade. Os motivos disso são óbvios: poucas coisas são mais intelectualmente perturbadoras do que ver todo o seu sistema de crenças desabar diante de um fato ou de um raciocínio pertinente. Quem se preocupa com o que é verdadeiro não tem outra saída além de reconhecer o problema e revisar seus posicionamentos. Mas para gente do naipe do Sr. Rafael, a verdade não é um fim, é um obstáculo a ser contornado na tentativa de emprestar ao menos uma aparência de solidez a uma crendice a que ele se aferrou por motivos arbitrários. Se isso não é um exemplo prototípico de desonestidade intelectual, eu não sei o que é. Acho que o Sr. Rafael ganharia muito mais se um dia pudesse olhar para o mundo em que vive e poder realmente dizer como Carl Sagan: “I don't want to believe. I want to know.”


    Agradeço a todos os leitores pela paciência e também ao Sr. Rafael, pela excelente oportunidade que me deu de exercitar a habilidade de desmontar raciocínios falhos e conclusões sofismáticas, o que é essencial em qualquer confronto de ideias.

    Cumprimentos do “sofista, agressivo, mercenário, indigno, torpe, desprezível e impudico”
    Alex Cruz.