quinta-feira, 18 de abril de 2013

Alex Cruz X João Cirilo - Reflexões sobre as almas


 §1 - Cada debatedor tem direto a no máximo 3 postagens (de 4096 caracteres cada uma) por participação - QUE DEVERÃO SER UTILIZADAS DA MELHOR FORMA POSSÍVEL POR CADA UM DOS DEBATEDORES.    


  §2 - Os debatedores DEVERÃO fazer 4 participações intercaladas por duelo:considerações iniciais, réplica, tréplica e considerações finais.    


   §3 - O prazo regulamentar entre as participações dos debatedores é de 3 dias. Todo adversário tem o direito de estender o prazo de seu oponente. Após o prazo, será declarada vitória por W.O. para o duelista remanescente.        


  §4 -  Após o duelo, o vencedor será escolhido através de votações em enquete. 


  1. Alex Cruz X João Cirilo - Reflexões sobre as almas

    Considerações Iniciais


    “Só sei que nada sei.”
    “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.”
    (Sócrates)

    Alguns esclarecimentos importantes:

    Aos meus colegas da Duelos Retóricos pretendo trazer uma espécie de debate diferente dos que já tive até então. E, para começar a elencar as diferenças, gostaria de dizer que meti-me em um “duelo” sobre um tema acerca do qual o meu nível de conhecimento é irrisório. Não satisfeito com tamanha “tolice”, fui escolher para oponente um senhor que, não apenas se proclamou, mas também já deu mostras incontestes de sua expertise no assunto, além de apontar várias vezes (das quais já perdi a conta!) a extensão de minha bárbara ignorância. Pois ainda que duvidem de minha sanidade mental por envolver-me em tamanha situação vexatória, é exatamente isto o que eu gostaria de deixar claro: sobre almas... bem... sobre almas eu sou positivamente um jumento.

    Dito isso, o segundo ponto que quero estabelecer é que vim para esta discussão despido de todos, absolutamente todos, os preconceitos que eu, por ventura, tive sobre os credos das mais diversas cores e sabores espalhados pelo mundo, especialmente o credo Católico Apostólico Romano, professado pelo Sr. João Cirilo, meu nobre oponente. Isso significa que, de antemão, já estou disposto a considerar o que chamarei provisoriamente de “Doutrina Católica das Almas”(DCA) como um conhecimento válido, sério e merecedor de reflexões honestas, isentas e profundas. Assim, com a graça de Deus, proponho como o nosso objetivo neste debate refletirmos sobre DCA despretensiosamente, com hombridade e retidão. Desde já quero mostrar-me imensamente grato ao Sr. João Cirilo, pois imagino que serei eu quem mais terá a aprender nesta enriquecedora discussão.

    Também quero dizer que elegi como método para levar a cabo minha nobre intenção de instruir-me acerca de tão importante assunto o método do grande Sócrates, que, não por acaso, encabeça estas modestas CIs com suas belas frases. Assim, tudo o que tenho a oferecer aqui é a humilde aceitação do meu desconhecimento e um pouco de prudência quanto àquilo a que dou crédito, coisa que, talvez pretensiosamente, julgo ter entre as minhas duas grandes orelhas de asno.

    Por último, quero deixar meu colega absolutamente à vontade para corrigir-me na eventualidade de eu, inadvertidamente, confundir-me em algum conceito ou utilizar equivocadamente algum termo. Assim, como o título despretensioso deste debate indica, não me sinto obrigado a começar “pelo começo”, por uma definição de termos ou por princípios elementares de doutrina. Caso seja necessário, meu colega poderá trazer para a discussão as questões que achar pertinentes. Se ele julgar necessário estabelecer definições precisas acerca do que seja uma alma para a DCA, poderá fazê-lo a qualquer tempo. 
    Responder
  2. Posto isso, para apresentar alguns questionamentos e reflexões que cá empreendi silenciosamente, começarei a apresentar algumas pistas sobre a DCA que meu colega prolificamente distribui em nossa comunidade do Facebook em tópicos sobre qualquer assunto que seja. Vejamos uma delas:

    — “Como sou católico, apostólico romano, digo que a alma é insuflada no ato da fecundação e cresce juntamente com a mitose e a meiose.” —
    (João Cirilo)

    É uma afirmação simples, mas que me suscitou um mundo de reflexões e dúvidas. Temos aí duas ideias principais: a da insuflação da alma e a de seu crescimento. Peço que meu colega seja bastante diligente no sentido de responder todas as minhas perguntas, tanto para o meu esclarecimento quanto para o dos nossos leitores:

    1) Se a alma “é insuflada no ato da fecundação”, como fica a alma dos gêmeos univitelinos? No caso deles, houve apenas uma fecundação e o embrião resultante separou-se em dois distintos, mas com a mesma carga genética. Será então que um dos irmãos ficou sem alma em benefício do outro? Cada irmão terá apenas meia alma? Ou será que a alma do segundo irmão foi “insuflada” depois?

    2) Obtemos problemas similares ao analisar o caso de um clone. O clone é obtido através do enxerto do núcleo de uma célula somática em um óvulo do qual o núcleo foi previamente removido. Não há, portanto, nova fecundação; mas o clone se tornará um “gêmeo” do ser humano que lhe forneceu o material genético. Neste caso, terá ele alma? Se tiver, quanto ela foi “insuflada”?

    3) Se a alma “cresce juntamente com a mitose e a meiose”, depreende-se então uma relação entre o crescimento do corpo e o crescimento da alma. Assim, é pertinente questionarmos se a alma de um feto de 2 semanas será “maior” que a alma de um feto 1 semana. Na mesma linha de raciocínio, todos sabemos que neste mundo temos muitos casos de miséria e desnutrição, mazelas que, ao contrário daqueles que desfrutam de uma boa mesa, como Deus é servido, afetam o crescimento sadio de muitas crianças, sobretudo na África pagã. Uma vitima de desnutrição, cujo crescimento foi comprometido, terá também uma alma “menor”, uma vez que não teve tantas “mitoses e meioses” quanto um gordo e corado sacerdote romano? Dada a estranheza das ideias a que chegamos partindo da afirmação do Sr. João Cirilo, suspeito que talvez não se trate de uma alegação muito feliz de sua parte, coisa que ele faria muito bem em reconhecer e retificar para posteriores averiguações.

    4) Ainda sobre a ligação entre a alma e o corpo, gostaria de saber o que acontece quando uma parte do corpo é perdida, digamos, em um acidente. Uma parte da alma é perdida também? Se não, isto parece indicar que a alma não está propriamente ligada a TODO o corpo, mas sim a alguma parte dele. Pelo pouco que sei, parece-me que a alma está conectada à nossa mente e, assim, na dependência do cérebro para manifestar-se. Você concorda com isso?

    5) Gostaria de mais esclarecimentos no que diz respeito à ligação entre a alma e a meiose, pois, se a alma “cresce” não apenas com a mitose, mas também com a meiose, que é o processo de divisão celular que forma os gametas (células reprodutivas) masculinos e femininos, isso traz sérias implicações sobre o desenvolvimento de minha alma e a qualidade de minha vida amorosa. Talvez o Sr. João Cirilo tenha apenas se equivocado nos termos e, neste caso, eu não precisaria me empenhar tanto em ser bem sucedido na próxima sexta-feira à noite. Em todo caso, seria bom ouvir do próprio Sr. João Cirilo um esclarecimento neste sentido.
    Responder
  3. Vejamos agora mais uma afirmação:

    — “Pelo princípio normal, cristalino e vetusto da criação, da obra dos 6 dias. É elementar que se o tal neanderthal foi extinto como parece que foi, homem não era, humano não era.
    Não sendo humano, não tem alma.” —
    (João Cirilo)

    6) Desta frase, depreendo que somente humanos têm alma. Sendo assim, a presença ou ausência de alma nada tem a ver com a racionalidade e sim com a espécie da criatura? Neste caso, na eventualidade de clonarmos um Homo sapiens neanderthalensis e descobrirmos um ser racional, capaz de entender e vivenciar experiências religiosas, tal como TODAS as pesquisas a seu respeito indicam que ele foi, ele estaria condenado a viver sem alma?

    7) Se a presença da alma está ligada à espécie mas não à racionalidade do indivíduo, como fica a situação de uma criança com severo caso de anencefalia, que pode ser mantida viva por meios artificiais, mas que jamais desenvolverá uma autoconsciência ou uma vivência religiosa? Ela tem alma? Se tiver alma e falecer antes do sacramento batismal, sua alma será condenada? Não lhe parece injusto que uma alma seja condenada apenas porque teve o azar de ser “insuflada” em um corpo com anencefalia?

    8) Na mesma linha de raciocínio, como ficam as almas que, por azar, foram insufladas no corpo de um desses detestáveis pagãos, sejam eles ateus, muçulmanos, hinduístas, em suma, os não-católicos em geral, que acabaram morrendo sem converter-se ao catolicismo romano?


    Ainda há muitas perguntas a serem feitas sobre o nosso objeto de estudo: a “Doutrina Católica das Almas”. Porém, para não sobrecarregar o prestimoso Sr. João Cirilo, ficaremos, por enquanto, com essas pois não quero abusar de sua sapiência e boa vontade em esclarecer-me. Se ele não tiver espaço ou tempo para responder a todas elas em suas CIs, poderá fazê-lo posteriormente na Réplica na Tréplica, etc. Respeitarei o seu ritmo e só farei novas perguntas quando ele nos ajudar a esclarecer as que já fiz.

    Assim, caríssimos colegas, poderemos analisar detidamente a coerência, a seriedade, a pertinência, em suma, de tão nobre conhecimento cuja ausência representa uma falha imperdoável na minha formação cultural e humanística. Felizmente para mim, estou disposto a corrigi-la e, para isso, conto com a ajuda de nosso nobre colega!

    Torço para que os demais leitores aprendam com o que ele terá a nos dizer a seguir! Dou-lhe a palavra e despeço-me com as saudações socráticas...


    do “asno, falho, ignorante, questionador, convertido, entusiasmado e arrependido”
    Alex Cruz
    Responder
  4. Gêmeos univitelinos: não obstante a fecundação gemelar, cada pessoa guarda sua identidade própria. Isso é simples de constatar, cada ser, apesar de gêmeo com outro, é único. Se o raciocínio especioso tivesse algum suporte físico, aquele irmão que foi separado ficaria sem coração e sem cabeça, para ficarmos só em dois exemplos marcantes. Não obstante, cada qual recebeu seu coração e seu cérebro, além de todo o seu ser completo. Inclusive com sua própria alma imortal.

    Alma dos clones: confesso – e espero não levar muitas pedradas por conta disso – que não fui pesquisar, e vou responder com o que penso, sem maiores perquirições, até para não perder de vista minha linha de pensamento. Penso que o clone não terá alma. O clone é um produto fabricado por mãos humanas, até onde eu sei. E Deus insuflou alma naquele ser primeiro, não no seu clone. Hoje, os clones são de irracionais, e não há qualquer problema nisso porque os irracionais não têm alma. Quando partirmos para os humanos, penso que não terão alma, pelas razões já expostas.

    Alma, mitose e meiose: quando toquei neste assunto numa quadra da página, quis usar uma figura para realçar o pensamento. Da mesma forma que um ser se forma como produto da mitose e da meiose (se não estiver errado, mas pouco importa para o aqui tratado), quero dizer que a alma já vem insuflada neste ser em formação. Não existe “alma maior ou menor”, Alex. A alma é nossa porção imortal e é essencialmente idêntica em todos os seres humanos. Você confunde acidente com essência misturando a dupla natureza e evidentemente não pode dar bom resultado.

    A alma e o acidente de trânsito: não, a alma não é perdida nunca; é nossa segunda natureza. O homem é formado por um corpo material e uma alma espiritual, que não está no braço ou na perna., mas em todo o corpo físico e além dele, (do contrário não seria nem imortal, nem espiritual). Os antigos acreditavam que a alma (néfech) especifica o homem todo, que se exprime mediante o corpo, sendo sinônimo de pessoa. Segundo eles o coração é a sede da inteligência e da consciência. Os rins como sede dos afetos e da vida emocional. Como se percebe a alma é um conceito difuso relacionando-se com o homem como um todo. Jesus disse que deveríamos temer Aquele que mata o corpo e “tem o poder de lançar no inferno” (Lc 12,5), dando a entender (assunto que São Paulo retoma na 1Cor) a duplicidade entre o corpo material e o corpo espiritual.

    Alma e meiose: quis dizer, e retomo aqui, que pretendi apenas ilustrar o que falava usando mitose e meiose. Não quis ser científico. Separo as coisas e o faço, obviamente com fundamento bíblico. Como é feita esse inculcar, não sei e acho que nem o Papa sabe, mas, segundo o que cristão infere da Bíblia, a alma está em nós desde a concepção. Como tanto o homem quanto a mulher têm alma, e a alma é diferente do corpo com natureza distinta, isso não afeta, por óbvio, nem determinação do sexo, nem das preferências sexuais.
    Responder
  5. O humano e o Neanderthal: sim, a alma independe da “racionalidade”, mas depende da espécie da criatura. Só os humanos temos alma; e não precisam raciocinar para isso, porque um anencéfalo também tem alma, embora não tenha razão. Se clonarmos um “homo sapiens neanderthalensis” e o descobrirmos racional, capaz de entender e vivenciar experiências religiosas, diz vc e pela sua frase vc afirma que era um humano. Em sendo (e isto eu não concordo nem desdigo, embora por princípio pense que não era) evidentemente teve alma. Se o clonarmos, penso que o clone viverá sem alma, pelas razões que expus acima, ressalvando novamente que não pesquisei o assunto, mas preferi assim mesmo dar minha opinião geral sobre isso.

    Anencefalia: já tratada no tópico anterior. Só ajunto aqui os motivos pelos quais a Igreja sempre se postou contra as decisões judiciais – e agora com amparo médico –que dizem que o feto terá seu cérebro desenvolvido após três meses de gestação: para os religiosos, o ser humano completo, corpo e alma, se forma na concepção. Evidentemente uma criança anencéfala não será condenada, a uma porque não teve pecado, a duas porque recebeu o sacramento do batismo. Mesmo que tenha nascido morta conservará a alma imortal, em razão da dupla natureza.

    Almas insufladas nos “detestáveis” pagãos: quem, evidentemente dotado de alma, não conheceu a Cristo por ignorância invencível, mas se portou de acordo com o Direito Natural (1Pd, 4, 5-6) encontrará salvação, em que pese ser um pagão, caso em que evidentemente não será detestável.

    Pronto, meu caro Alex. Com minhas apagadas luzes acho que deu para esclarecer algum ponto, se é que desde o começo vc tinha realmente alguma dúvida...

    A propósito, noto que iniciei minhas CIs sem saudar meu oponente, o que faço agora, parabenizando-o pelas boas e certeiras questões, Alex. Também não saudei quem eventualmente leia essas mal traçadas linhas, o que também faço agora, desejando a todos um bom dia.
    Responder
  6. Alex Cruz X João Cirilo - Reflexões sobre as almas

    Réplica


    “Eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto tenha pretendido que esqueçamos o seu uso para nos dar, por outro meio, o conhecimento que com eles podemos obter.”
    (Galileu Galilei)


    Excelente, João Cirilo!
    Pude notar sua disposição em esclarecer minhas dúvidas. Algumas delas eram realmente antigas e já estavam juntando poeira num canto esquecido do meu cérebro. Eu costumava fazer questionamentos assim para outros doutos em DCA, mas sempre obtinha como resposta um sorriso amarelo ou então uma chuva de impropérios. E, falando em impropérios, também notei que desta vez você não tentou me diminuir... talvez porque eu já tenha feito isso por você. Na verdade, isso não importa. Gostei do método socrático e, pelo menos até agora, ele parece estar funcionando muito bem, pois já me sinto um pouco mais esclarecido. Vejamos agora algumas de suas respostas e vamos refletir sobre elas.


    1) Gêmeos univitelinos:
    Aqui você elucidou apenas metade da dúvida. Que os gêmeos univitelinos são pessoas distintas, cada uma com sua personalidade, todos nós já sabíamos. Você nos esclareceu sobre o fato de que cada um tem a sua própria alma, porém ainda ficamos com um problema: Se a alma “é insuflada no ato da fecundação” e se houve apenas uma única fecundação, como pode haver duas almas? Vejo apenas duas alternativas para essa questão e ambas têm consequências bastante interessantes que examinaremos assim que você nos disser qual é a verdadeira ou então nos propuser uma terceira:
    a) Durante a fecundação, duas almas foram “insufladas” no mesmo ser, que depois se dividiu em dois, cada um com a sua alma. Isso gera a possibilidade de termos um ser com duas almas.
    b) Apenas uma alma foi “insuflada” na fecundação e, quando o embrião se dividiu, a outra alma foi “insuflada” depois. Se for assim, a alma pode ser insuflada em outro momento que não seja a fecundação.


    2) Alma dos clones:
    Meu caro, não há nada de errado em admitir que não sabe a solução para um problema. Ao contrário de dar-lhe “pedradas”, felicito-lhe e rogo que tome essa nobre atitude com mais frequência. Mesmo sem ter certeza, você nos ofereceu sua opinião, a de que o clone não terá alma. Pensemos, então, sobre ela. Diga-me: você não acha injusto que um clone esteja condenado a viver e morrer sem alma? Note que, ao contrário do que você diz, o clone não é tão somente “um produto fabricado” pelo homem, mas é também, ele mesmo, um ser humano! Lembremo-nos de que nascerá uma criança totalmente alheia ao “pecado” da clonagem (é um pecado?) ao qual deve sua existência e, portanto, inocente dele. Diante disso, será mesmo justo colocar um ser humano no nível espiritual dos pombos que perambulam pela Praça São Pedro?


    3) Alma, mitose e meiose.
    Então, com a história de que a alma “cresce juntamente com a mitose e a meiose” você quis apenas “usar uma figura para realçar o pensamento”? Que bom que você admitiu! As discussões se tornam muito mais produtivas quando agimos assim. Com isso, tomo essa questão como encerrada!


    4) A alma e o acidente de trânsito:
    Não falei em acidente de trânsito, mas, ok! Consideremos que foi um acidente de trânsito. Note que meu objetivo aqui foi estabelecer uma noção mais precisa sobre a ligação entre a alma e o corpo. Pode-se permanecer vivo sem braços ou pernas, pode-se ter os mais diversos órgãos transplantados ou substituídos por equivalentes artificiais e ainda assim continuar vivo e, portanto, com sua alma. O que eu quero saber aqui, repito, é se a alma está conectada à nossa mente e, assim, na dependência do cérebro para manifestar-se.
    Responder
  7. 5) Alma e meiose:
    Para mim, isso já está esclarecido na questão 3. Feliz por não haver ligação entre o crescimento de minha alma e o volume das minhas meioses, também vejo esse assunto como concluído.


    6) O humano e o Neanderthal:
    Meu objetivo primário era entender melhor a ligação entre a alma, a racionalidade e a espécie, coisa que você já elucidou a contento. Isso terá seus desdobramentos, como veremos a seguir. Um esclarecimento, porém: ao contrário do que você sugere, quando digo que o Neanderthal era racional não estou dizendo que ele era humano. Os humanos modernos são, de fato, a única espécie racional viva na Terra, o que não quer dizer que alguns de nossos antepassados ou parentes próximos não tenham sido racionais em alguma medida, especialmente no que se refere ao pensamento simbólico. Posto isso, prossigamos.

    Pelo que entendi, a alma não depende da racionalidade, mas é, com “fundamento bíblico”, um atributo exclusivo da espécie humana. Pois bem! Finalmente chegou a hora de questionarmos fontes! Não sei se você conhece um texto de Carl Sagan intitulado “O Planeta dos Idiotas”. Se não, aqui vai um vídeo de pouco mais de 3 minutos com a narração:
    https://www.youtube.com/watch?v=WGPUdomqS5E

    Gostaria de saber sua opinião especialmente acerca do seguinte trecho:
    “(...)tente se convencer de que Deus criou todo o universo para uma das aproximadamente dez milhões de espécies de vida que habitam este grão de poeira. Agora, dê um passo adiante: imagine que tudo foi feito apenas para uma única nuança dessa espécie, ou gênero ou subdivisão étnica ou religiosa. Se isso não lhe parecer improvável, tome outros pontos. Imagine que o universo é habitado por uma forma diferente de vida inteligente, que também nutre a noção de um deus que criou todas as cosias para seu bem. Até que ponto você levaria a sério essa pretensão?”

    Você pode dizer que isso se trata apenas de uma conjectura, porém a Exobiologia trata a existência de outras formas de vida inteligente como um fato que aguarda apenas que tenhamos condições de empreender sua confirmação. Peço-lhe, então, que não se esquive de nos dar uma resposta franca: Qual seria, meu nobre e honesto João Cirilo, a sua reação ao encontrar outro ser racional que, segundo as suas próprias noções religiosas, afirmasse categoricamente, tomando como base o seu próprio livro sagrado, que a espécie dele (e somente ela!) pode ter uma alma? “Até que ponto você levaria a sério essa pretensão?” O que, além de mera convicção, torna a sua fonte mais confiável do que a dele?


    7 e 8) A “sorte” das almas:
    Julgo que podemos tratar essas duas questões como uma só. Talvez por uma falha na organização das minhas CIs, separei questões que têm o mesmo ponto central. Corrija-me se eu estiver errado: Ao que parece, a “sorte” da alma na hora de ser “insuflada” em um corpo não é um fator determinante para a sua salvação, desde que o ser em questão, ainda que não conheça o Cristo, seja justo e bom. Acontece que os conceitos de bondade e justiça, inclusive à luz da Bíblia, podem ser qualquer coisa, menos consensuais. Hoje, pelo menos no ocidente, parecemos ter uma visão mais ou menos comum do que seja bom e justo. Será que podemos nos fiar nisso?

    Todos sabemos que já praticamos a escravidão “com fundamento bíblico”. Eu suspeito que as almas dos sacerdotes e fieis católicos que foram proprietários de escravos em séculos pretéritos não encontraram a salvação que certamente julgavam merecer. Da mesma forma que o negro escravo não era considerado detentor de uma alma, que segurança teria você para negar a existência da alma de um clone, de um Neanderthal ou de outro ser racional que por ventura venhamos a encontrar? Parece-me que a fonte das suas convicções é a mesma que nossos piedosos escravocratas tiveram em seu tempo. Você e a ICAR (assim espero!) não escravizariam um Neanderthal ou um clone, mas certamente lhes negariam um batismo ou qualquer outro sacramento. Se eles não têm alma, de que adianta pregar-lhes o evangelho, uma vez que eles não teriam nada para “salvar”?

    Responder

  8. Assim, meu caro João Cirilo, no meu entender, as questões que estão em aberto ainda são sérios empecilhos para testamentar a solidez, a coerência, a seriedade e a pertinência da DCA. Não tenha dúvidas, porém, de que você modificará meu estado de espírito na medida em que derrubar tais obstáculos. Apesar de saber que muitos, senão TODOS, duvidam de minhas intenções reafirmo que aqui só disponho de duas ferramentas: minha ignorância (motivo pelo qual todas as respostas e definições estão por sua conta) e um pouco de prudência quanto àquilo a que dou crédito (o que me dá o papel de questionador).

    Dou-lhe a palavra e despeço-me novamente com as saudações socráticas...


    do “asno, falho, ignorante, questionador, convertido, entusiasmado e arrependido”
    Alex Cruz
    Responder
  9. RÉPLICA:

    Prezado Alex, não tenho intenção de "derrubar obstáculos". Se derrubasse obstáculos estaria derrubando sua fé, igualmente robusta, nas coisas que acredita pelo jeito de há muito. Quanto a diminuí-lo ou tentar diminuí-lo, só se eu fosse muito tolo, mesmo.Primeiro, porque vc manteve um nível excelente de diálogo, franco e muitíssimo modesto, além da conta. Segundo, porque se eu fosse um gênio nos assuntos que trata, aí talvez pudesse tratá-lo ou a outras pessoas de forma algo superior, mas não é o caso. Pelo contrário: portanto, também estou com Sócrates e "só sei que nada sei".

    Dito isto, vamos aos pontos, articuladamente:

    1.Gêmeos univitelinos:

    Mas a dúvida remanesce no que não vemos (transcendência) e não fica na parte que vemos (imanência)? Um gêmeo univitelino é aquele surgido da fecundação do óvulo por um só espermatozoide, que se divide em duas culturas completas de células, não é verdade? Ora, eis aqui algo que acicata a imaginação de qualquer um, que é a maneira como biologicamente isto pode ser feito. Parece impossível, mas sabemos que não é. Ora, se as coisas são tão difíceis assim naquilo que se vê, por que seriam diferentes nas que não se vê, naturalmente carregadas de carga de dificuldade muito maior?
    Vejamos as duas perguntas, realmente complicadas. No meu entendimento, não dá para dizer que as primeiras células possuem duas almas, nem que são uma massa celular. Instantaneamente, após a fertilização o óvulo fecundado possui a matéria necessária para formar um novo ser: neste caso já possuiu forma (alma) humanas. Ou não.

    Tudo depende da qualidade que terá ou não para se desenvolver. Se em algum momento houver a divisão e no tecido resultante houver matéria própria para a geração de um novo ser humano, então neste instante será infundida a nova alma, criada por Deus naquele instante.

    Resposta positiva para as suas questões nos levariam a um impasse: ou uma espécie de pangênese no primeiro caso; ou a alma a qualquer tempo, imprecisamente, o que pode dar margens a elastérios indevidos e contraria, ainda que obliquamente, Lc 1,15 e 1,43, 44.

    Portanto, a alma individual será inserida no ser concomitantemente ao seu desabrochar enquanto tal. Nem antes, nem depois. Por isso que não haverá alguém com duas almas. Nem uma alma aparecida em qualquer tempo.


    Almas dos clones:

    E ainda continuo na incerteza neste ponto porque minhas pesquisas, ainda que perfunctórias, não me deram resultado satisfatório, Alex. Mas, note: Deus fez o original, a cópia é feita pela mão do homem. Não me consta que o homem tenha capacidade de transmitir o transcendente, no máximo copiará, com muito trabalho e esforço científico, matéria igual à do corpo clonado; e nada mais. Então, como pode transferir para o clone algo que ele mesmo não tem, que é a criação da alma? Um ser humano seria o clone, na sua concepção: eu vou até metade do caminho e diria que é um ser humano enquanto matéria, não enquanto natureza espiritual. Destarte, e com a rudeza da comparação, estará sim ao nível dos pombos da Praça de São Pedro. Não vejo como isso possa ser mudado tendo em vista o princípio de que ninguém dá o que não tem.

    Responder
  10. Alma, mitose e meiose:

    Perfeitamente, quis usar como figura de linguagem para tentar esclarecer melhor o que queria passar. Ótimo que encerramos o ponto.

    6) O humano, o Neanderthal e Sagan:

    A questão do “homem de Neanderthal” é a que mais nos distancia, Alex Cruz, por uma questão primeira, que é o motor de todas as outras: vc acredita piamente na evolução das espécies, e eu não. Vc deve ter seus motivos para descrer da Criação e eu tenho os meus para crer nela. E a crença está na “Obra dos Seis Dias”. Lá Deus criou os animais e depois, no sexto dia e no ápice da atividade criadora, o homem. Então eu não acredito em “antepassados ou parentes próximos” que tenham sido racionais em alguma medida.

    Só posso responder, se positiva sua tese, acerca não só deste, mas de qualquer outro fóssil hominídeo, que: a) se era “homo sapiens” teria alma; b) se não era, não não teria.

    Veja que não estou desacreditando sua teoria, tomo-a para formatar dupla resposta dependendo da natureza do fóssil.

    Quanto a Karl Sagan e as perplexidades formuladas, trombo com elas todos os dias de minha vida, Alex. E não encontro resposta para absolutamente nada. Vejo a imensidão do Universo, vejo coisas impensáveis em fatos até simples, como o movimento de rotação e de translação dos planetas deste sistema solar, e especulo quantos haverá por aí, sem nada concluir. As dúvidas que o cientista levanta, as perguntas que faz, me atormenta, e tenho certeza, não só eu.

    Neste passo estou no compasso de todos os cientistas. Aguardo o que a Exobiologia poderá um dia trazer concretamente sobre este mistério. Agora, se encontrasse um ser alienígena que me dissesse que o Livro dele (e só o dele) trará a salvação, confesso que ficaria aturdido.

    Sim, aturdido porque então tudo o que eu acreditei durante a minha vida toda de nada valeu. Ao mesmo tempo ficaria de certa forma realizado em minhas conjeturas, porque constataria, afinal de contas, que num Universo tão grande haja espaço para muito mais do que isto.

    Mas ao mesmo tempo recorro à Bíblia e vejo que Deus fez o que aqui está para nós homens. Para que os homens dominassem sobre toda a criação, para que nós homens nos salvássemos por zelo e méritos: então, este Ser que existe fora do nosso mundo e existe “ex nihilo” pode ter feito outras maravilhas em outras galáxias. Mas certamente não fará nenhuma mistura com esta daqui, para não contrariar Seu próprio desígnio.

    Fico por aqui. Aguardo ansioso o que vem em seguida, porque sua réplica está repleta de cascas de banana; e eu me darei por feliz se não tiver me estatelado em muitos pontos. Ou, pior, em todos!
    Responder
  11. PS: Faltaram a sétima e oitava questões. Que se escrevem assim:

    7 e 8) A “sorte” das almas:

    Julgo que podemos tratar essas duas questões como uma só. Talvez por uma falha na organização das minhas CIs, separei questões que têm o mesmo ponto central. Corrija-me se eu estiver errado: Ao que parece, a “sorte” da alma na hora de ser “insuflada” em um corpo não é um fator determinante para a sua salvação, desde que o ser em questão, ainda que não conheça o Cristo, seja justo e bom. Acontece que os conceitos de bondade e justiça, inclusive à luz da Bíblia, podem ser qualquer coisa, menos consensuais. Hoje, pelo menos no ocidente, parecemos ter uma visão mais ou menos comum do que seja bom e justo. Será que podemos nos fiar nisso?

    Todos sabemos que já praticamos a escravidão “com fundamento bíblico”. Eu suspeito que as almas dos sacerdotes e fieis católicos que foram proprietários de escravos em séculos pretéritos não encontraram a salvação que certamente julgavam merecer. Da mesma forma que o negro escravo não era considerado detentor de uma alma, que segurança teria você para negar a existência da alma de um clone, de um Neanderthal ou de outro ser racional que por ventura venhamos a encontrar? Parece-me que a fonte das suas convicções é a mesma que nossos piedosos escravocratas tiveram em seu tempo. Você e a ICAR (assim espero!) não escravizariam um Neanderthal ou um clone, mas certamente lhes negariam um batismo ou qualquer outro sacramento. Se eles não têm alma, de que adianta pregar-lhes o evangelho, uma vez que eles não teriam nada para “salvar”?

    E eu respondo assim:

    A bondade, a justiça, o perdão, a caridade são institutos consensuais em toda a Bíblia e em qualquer tempo, Alex. O problema é misturar o que chamamos “plano de Deus” com as crônicas que a Bíblia traz, com o relato dos costumes de um povo antigo, oriental, que viveu há 5000 anos.
    Mas a bondade é inata no ser humano, do contrário Deus estaria em contradição consigo mesmo, o que é impossível.

    O que é bom e justo hoje é o mesmo bom e justo ontem, com pequeníssimas variações que sequer triscam a superfície, que dirá o cerne.

    Eu já penso que não será por conta disso – possuir escravos – que um sacerdote ou um religioso antigo não merecerá a salvação. Deus mesmo nunca proibiu a escravidão e até o povo eleito escravizou ou foi escravizado. Aliás, e este é um ponto sensível porque o pessoal anda meio desarvorado ultimamente, há até previsão bíblica para isso em Gn 9.

    Não sei de onde tirou que um negro não tinha alma. Por certo não será do magistério católico que desde sempre soube discernir os acidentes da essência: e essencialmente um negro é igual a um branco, porque detentor da mesma natureza humana.

    É fato que alguns ‘sites’ sensacionalistas e rasos como um pires às vezes publicam coisas do tipo, dizendo que a Igreja dissera em tempos idos que negros e índios não tinham alma: na verdade isso jamais ocorreu e nem teria como ocorrer.

    Sobre o batismo de Neanderthais eu acho que realmente não daria, se isso me competisse decidir e já procurei demonstrar o porquê.





    Responder
  12. Alex Cruz X João Cirilo - Reflexões sobre as almas

    Tréplica


    “Falar obscuramente, qualquer um sabe; com clareza, raríssimos.”
    (Galileu Galilei)

    Desta vez serei mais breve. Mão à obra.

    1) Gêmeos univitelinos:
    Segundo sua resposta, uma nova alma “será inserida no ser concomitantemente ao seu desabrochar”. Pelo menos para um dos gêmeos univitelinos, isso não ocorrerá na fecundação, mas sim posteriormente, no momento da divisão do embrião em dois distintos. Há fundamento bíblico para isso? Se sim, mostre-nos qual. Mas se não houver, julgo haver demonstrado que a regra “com fundamento bíblico” da DCA para a insuflação das almas na fecundação não é absoluta.


    2) Alma dos clones:
    Questionei-o claramente se você acha justo que um clone não receba uma alma e você não me respondeu. Se um dos gêmeos univitelinos recebe sua alma em outro momento que não a fecundação, porque isso não poderia ocorrer no caso de um clone? Só porque foi o homem que o fez? O que custaria para um Deus bom, justo, onisciente e onipotente “insuflar” uma alma em um clone no momento em que ele “desabrocha”? Vejo duas alternativas:
    a) Deus nega a possibilidade de entrada no “reino dos céus” a um inocente que não tem culpa de ser clonado. O que é isso senão uma grande injustiça?
    b) Ao contrário do que você disse, um clone terá alma e ela será insuflada no momento em que “houver matéria própria para a geração de um novo ser” clonado. Neste casso, estaríamos diante de mais uma exceção à regra “com fundamento bíblico” de as almas serem insufladas na fecundação.


    4) A alma e o acidente de trânsito (alma e mente):
    É a segunda vez que você ignora este ponto. Porque não responde? Terei de perguntar pela terceira vez: você concorda que a alma está conectada à nossa mente e, assim, na dependência do cérebro para manifestar-se?


    6) O humano, o Neanderthal e Sagan:
    Aqui temos mais uma pergunta que você, infelizmente ignorou.
    Acho que quanto mais tempo uma pessoa destinou a uma visão de mundo, mais difícil para ela se torna abandoná-la. Isso é bastante natural uma vez que ninguém gosta de perceber que dedicou a vida a uma fantasia. Você diz:
    – “Agora, se encontrasse um ser alienígena que me dissesse que o Livro dele (e só o dele) trará a salvação, confesso que ficaria aturdido. Sim, aturdido porque então tudo o que eu acreditei durante a minha vida toda de nada valeu.” – 
    Responder
  13. É uma reflexão muito sensata, uma vez que a existência de dois livros sagrados mutuamente excludentes já lhe dá 50% de chance de que ter acreditado em uma ilusão. Porém você nem precisa procurar por isso em outros planetas. Basta pegar os livros sagrados de outras religiões para encontrar inúmeros deuses incompatíveis, o que reduz drasticamente suas chances de estar lendo o livro “certo”, e isso considerando que há mesmo algum livro “certo”. Por isso, repito a pergunta: O que, além de mera convicção, torna a sua fonte mais confiável do que a deles? Ou é mera convicção ou é outro motivo e, neste caso, qual?


    7 e 8) A “sorte” das almas:
    Uma admissão: a ICAR, de fato, nunca negou que os negros tivessem alma. Ponto para você. Você diz, porém, que um escravocrata não seria condenado porque Deus também não proibiu a escravidão. Ora, estamos diante de um sistema reduz um ser humano a uma mercadoria, a uma propriedade de outro. Mesmo que essa seja uma prática aceitável, “segundo Deus”, diga-me: a escravidão lhe parece justa? Por quê? Só porque Deus não a proibiu?

    Favor não ignorar minas perguntas de novo.


    Saudações do “asno, falho, ignorante, questionador, convertido, entusiasmado e arrependido”
    Alex Cruz
    Responder
  14. TRÉPLICA

    “Para bom entendedor meia palavra basta”
    (ditado popular)

    Sou acusado de obscuridade e de fugir das respostas às suas perguntas. Pelo jeito não se deu ao trabalho de perquirir se a falta porventura não provinha daí. Sim, porque num diálogo há duas fontes, e se uma se negar a entender o que a outra fala, ou só quer entender o que lhe convém, evidentemente que nunca se chegará a clareza alguma, e muita vez não por demérito de quem diz, mas sim por desatenção ou desapreço de quem ouve.

    De qualquer forma, registro e aplaudo seu foco nas coisas e nas verdades que têm por buscáveis e cognoscíveis, há a procura sincera pelo mérito e não apenas pelo jogo de palavras, que além de não levar a nada, muitas vezes se esgalha em novos temas jogados ao leu no decorrer da conversa, transformando os debates num mero jogo de palavras. Pelo menos este aqui está bem centrado nas questões meritórias, o que é excelente.

    Dito isto, passemos aos pontos, articuladamente, tal como foram enunciadas as questões:

    1)GÊMEOS UNIVITELINOS.

    Neste ponto vc me questiona que “para os gêmeos univitelinos, isso (a alma inserida concomitantemente no seu desabrochar), não ocorrerá na fecundação, mas posteriormente, no momento da divisão do embrião em dois distintos. Há fundamento bíblico para isso? Se sim, mostre-nos qual. Mas se não houver, julgo haver demonstrado que a regra com fundamento bíblico” da DCA para a insuflação das almas na fecundação não é absoluta”.

    A Bíblia conta o nascimento dos gêmeos Farés e Zara, filhos de Judá e Tamar (Gn, 38, 27). Mas não diz se eram univitelinos e a questão não se resolve da forma que entendo preferir a resposta, isto é ‘ipsis litteris’. Mas isto não impede, pelo contrário, impele, a avançarmos nas considerações.

    Um gêmeo univitelino é na verdade um clone de seu irmão. “O clone é tão semelhante ao organismo do qual teve origem como dois gémeos univitelinos o são entre si. Um clone é pois um “gémeo” de outro indivíduo que tem porém mais 20, 30 ou mais anos do que o seu “gémeo”. (http://www.federacao-vida.com.pt/vida/Artigos/artigos/clonagem.htm). “Quando um óvulo é produzido e fecundado por um só espermatozóide e se divide em duas culturas de células completas, dá origem aos gêmeos idênticos, ou monozigóticos, ou univitelinos. Sempre possuem o mesmo sexo. Os gêmeos idênticos têm o mesmo genoma, e são clones um do outro. Apenas um terço das gestações são de gêmeos univitelinos”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAmeos)

    A diferença é que os gêmeos univitelinos são clones naturais, isto é a natureza que se encarrega de fazer por conta própria os devidos encaminhamentos: "Clones animais ocorrem naturalmente como um resultado natural da reprodução sexuada. Por exemplo, gêmeos geneticamente idênticos são clones que receberam exatamente o mesmo conjunto de instruções genéticas de dois doadores individuais, uma mãe e um pai. (http://www.defesadavida.com/?pg=documentos/doc_clon_brincando)

    Nos gêmeos univitelinos os embriões receberam “exatamente o mesmo conjunto de instruções genéticas” dos pais. Estão na linha de desdobramento da Criação, que pede a união do homem e da mulher numa só carne (Gn, 2, 24).

    Quando exatamente começará a se formar um e outro provavelmente nem a Medicina será capaz de explicitar com clareza, mas é provável que a multiplicação celular que dá início à vida ocorra no mesmo instante para ambos os irmãos naturalmente clonados: de qualquer forma, esta questão é absolutamente marginal , pois importa reter que é a partir da concepção que a alma se faz presente nas duas pessoas em formação. E se em um este processo conceptivo iniciar primeiro que o outro, será provido de alma em primeiro lugar.
    Responder
  15. E se a regra da insuflação da alma na concepção não fosse absoluta, para quando poderíamos transferir este insuflar, caro Alex? Ao alvedrio de cada qual? Se positivo, quando exatamente? Todavia, note que esta questão não passou em branco e já foi respondida alhures:

    “Se em algum momento houver a divisão e no tecido resultante houver matéria própria para a geração de um novo ser humano, então neste instante será infundida a nova alma, criada por Deus naquele instante. Resposta positiva para as suas questões nos levariam a um impasse: ou uma espécie de pangênese no primeiro caso; ou a alma a qualquer tempo, imprecisamente, o que pode dar margens a elastérios indevidos e contraria, ainda que obliquamente, Lc 1,15 e 1,43, 44. Portanto, a alma individual será inserida no ser concomitantemente ao seu desabrochar enquanto tal. Nem antes, nem depois. Por isso que não haverá alguém com duas almas. Nem uma alma aparecida em qualquer tempo”.

    2. ALMA DOS CLONES:

    Você me questionou “claramente” se acho justo que um clone não receba uma alma e não respondi. Pudera! Mas, que mais precisava? Parece que fui bastante claro por dizer que no meu entendimento um clone não tinha alma porque era obra humana.

    Não cabe a mim dizer se é justo ou se é injusto, não tenho esta pretensão de justiça ou de injustiça.

    Limitei-me a justificar minha posição. Repito aqui que um clone não tem nem pai nem mãe (pelo que não é possível no caso usar a excelente passagem de Ez 18, 31, 36, 25 ss sobre a culpa dos pais não passarem para os filhos, pois inexistentes os pais não há a questão da pessoalidade da culpa). “No processo de clonagem, ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a consanguinidade, o parentesco, a progenitura. (http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_academies/acdlife/documents/rc_pa_acdlife_doc_30091997_clon_po.html)

    Um religioso, Alex, não discute muitas coisas, não acha muitas vezes o que é justo ou injusto, apenas aceita. Tal qual o cientista, que mesmo perplexo aceita boquiaberto que o Universo nasceu de uma explosão que tudo ordenou em tamanho, peso e medida, o que é absolutamente fantástico, porque é da natureza das explosões tudo desordenar!

    O mesmo se dá aqui. Não me cabe achar justiça ou não. Cabe-me apenas apontar a provável natureza humana do clone feito em laboratório. Alma há no doador, na pessoa a ser clonada, e se o clone foi fabricado por mãos humanas e se é Deus quem incute a alma, é justo especular que o clone não a tenha!

    Não sei o que “custaria para um Deus bom, justo, onisciente e onipotente ‘insuflar’ uma alma em um clone no momento em que ele ‘desabrocha’”. Nem sei se isso Ele fará ou não, fui muito sincero desde o início para demonstrar a dificuldade do problema. E da mesma forma que Deus tem todas aquelas qualidades, inclusive a Justiça, será capaz de tolerar que o homem brinque com a Criação? Não sei, a Justiça de Deus é superior à nossa.

    Mas Deus também nega a entrada no “reino dos céus” a muitas outras pessoas, um não batizado, por exemplo, já que o batismo é necessário à entrada no aprisco de Cristo (Jo, 3). Se o problema fosse só o clone, estaria bem resolvido!

    Vc discorda de minhas assertivas – então não pode dizer que não as entendeu!!! – dizendo que “um clone terá alma e ela será insuflada no momento em que ‘houver matéria própria para a geração de um novo ser’ clonado. Caso em que estaríamos diante de uma exceção à regra de as almas serem insufladas na fecundação”.

    Note que é vc quem está dizendo isso, não eu, nem a Igreja, até porque este assunto, cientificamente falando, ainda não passou dos nascedouros da especulação científica.
    Responder
  16. Todavia, como não me furto de dar minhas opiniões, não deixarei de dar uma resposta e ela é simplíssima: se o clone humano tiver impressão digital única como acontece com o gêmeo univitelino, entendo que ele foi de alguma forma distinguido por Deus em sua individualidade e neste caso poderá ter alma.

    Concluo o trecho com as palavras do cônego José Luis Villa: “No caso de um ser humano clonado — suposto que isso seja realmente realizável — o mesmo fato poderia dar-se? A alma seria criada e infundida por Deus no ser assim constituído? Sendo tal processo de clonação aberrante e monstruoso, poderia o resultado não ser uma “coisa”, mas sim um ser humano dotado de corpo e alma?Se Deus não infundir a alma, poderemos ter, não uma pessoa humana, mas um “monstro”, eventualmente até um boneco dirigido pelo demônio. O futuro e a Igreja o dirão”.(http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=108&mes=outubro2001)

    3) A ALMA E O ACIDENTE DE TRÂNSITO (ALMA E MENTE):.

    Vc escreve: “É a segunda vez que você ignora este ponto. Porque não responde? Terei de perguntar pela terceira vez: você concorda que a alma está conectada à nossa mente e, assim, na dependência do cérebro para manifestar-se?”

    Eu não preciso responder nada. Vc já respondeu; trato só de colar a resposta: “Pelo que entendi, a alma não depende da racionalidade, mas é, com “fundamento bíblico”, um atributo exclusivo da espécie humana”.

    Entendeu bem. Porque desentendeu na hora da tréplica? Para tentar justificar a cita de Galileu?

    5) O HUMANO, O NEANDERTHAL E SAGAN:

    Com espírito evidentemente emulativo diz que eu “infelizmente” ignorei uma pergunta sobre o humano, o Neanderthal e Sagan, quando na verdade fiz uma confissão de sentimentos com o coração na palma da mão. Todavia faz as seguintes perguntas: “o que, além de mera convicção, torna a sua fonte mais confiável do que a deles? Ou é mera convicção ou é outro motivo, e neste caso, qual?

    Estas duas perguntas eu só posso responder com outra, Alex: quem é (ou são) eles?

    Estamos num campo eminentemente especulativo, um campo onde a Ciência não avançou um centímetro. Não sabemos se há vida alhures porque nunca para lá fomos; e também não fomos visitados por ninguém. Portanto, minhas respostas ecoaram um óbvio “se”. Mas note que apesar de todas essas angústias e perplexidades que assolam um homem cônscio de sua pequenez no espaço, encerrei minhas considerações com uma profissão de fé. Saberia encontrá-la e destacá-la?

    6) A “SORTE” DAS ALMAS:

    Neste passo, duas perguntas remanesceram: “a escravidão lhe parece justa? Por quê? Só porque Deus não a proibiu?”

    A mim a escravidão obviamente não parece justa, porque sou um homem do século XXI. Todavia observo que a escravidão sempre existiu, tendo fenecido a partir da Revolução Industrial por iniciativa da Inglaterra, não porque fosse humanista, já que foi grande traficante de pessoas, mas porque nascia o capitalismo industrial na Ilha e sabemos todos que o capitalismo não se imbrica com o escravismo.

    Noto, não obstante, que o período da História onde menos se falou em escravidão foi justamente nos séculos XII e XIII nos quais a Igreja atingiu seu píncaro de poder e influência. Isso não é deveras interessante?

    A segunda questão – ser justa só porque Deus não a proibiu – nós podemos raciocinar também com a questão do pecado e do castigo, do mérito e da recompensa: justamente quando o homem foi mais fiel aos planos de Deus como na Idade Média, menos se falou no nefando comércio; e de quebra também nos remete à questão do livre arbítrio, com a mesma resposta: agindo o homem de acordo com a vontade divina, menos campo ele terá para errar e nem será preciso proibições ou castigos divinos.

    Responder
  17. Alex Cruz X João Cirilo - Reflexões sobre as almas

    Considerações Finais


    “Quem consegue lhe fazer crer em absurdos, consegue lhe fazer cometer atrocidades.”
    (Voltaire)

    Quando digo que João Cirilo não foi claro, ele rebate arguindo que sou “mau entendedor”. Dada a inutilidade de insistirmos nesta pequena troca de qualidades, deixo essa questão para o julgamento do leitor. Ainda tenho duas coisas a fazer aqui: refletir sobre as respostas de João Cirilo e calcular o saldo parcial da discussão, uma vez que despeço-me dela com estas postagens.


    1) Gêmeos univitelinos:
    Depois de uma comprida explicação sobre o que são gêmeos univitelinos, feita a propósito de não se sabe o que, João Cirilo pergunta-me para quando poderíamos transferir o momento da insuflação da alma do segundo gêmeo univitelino. Foi um questionamento estranho e inesperado. Pensei que o desinformado neste assunto fosse eu. Mas já que ele perguntou, aí vai o que arrisco dizer a respeito disso. Antes, porém, um pequeno resumo do tópico:

    - As intrigantes regras da DCA tiram sua validade do “fundamento bíblico”.
    - João Cirilo afirmou a regra de que “a alma é insuflada no ato da fecundação”.
    - Porém já ficou claro que essa norma não é absoluta, uma vez que encontramos uma exceção no caso dos gêmeos univitelinos.
    - João Cirilo aponta categoricamente o momento em que a segunda alma será insuflada nos gêmeos: –“Portanto, a alma individual será inserida no ser concomitantemente ao seu desabrochar enquanto tal. Nem antes, nem depois.”–
    - Questionado sobre o “fundamento bíblico” dessa informação, João Cirilo admite não encontrar nada suficientemente claro neste sentido e me interroga sobre qual seria o momento da insuflação da segunda alma.

    Minha resposta: Não faço a menor ideia! Sei apenas que o “fundamento bíblico” não se provou absoluto nem contemplou todos os casos. Não cabe a mim (e suspeito que nem a você) a prerrogativa de apontar um instante fixo para um caso omisso. Parece-me que todas essas incertezas devem-se à mania do Espírito Santo de falar na bíblia sobre assuntos da mais alta importância de maneira truncada e obscura de modo a exigir malabarismos interpretativos dos exegetas. A consequência é que nos deparamos com situações como essa enquanto Deus, lá de cima, deve achar que somos todos “maus entendedores”.


    2) Alma dos clones:
    –“Se o clone humano tiver impressão digital única como acontece com o gêmeo univitelino, entendo que ele foi de alguma forma distinguido por Deus em sua individualidade e neste caso poderá ter alma.”–
    Eu ia lhe pedir pelo “fundamento bíblico” dessa opinião, mas a esta altura isso é inútil. Contento-me em dizer que a impressão digital não indica que ninguém foi “distinguido por Deus em sua individualidade”. Ela é formada tanto pelo material genético quanto pelo contato que o feto em formação tem com o ambiente intrauterino. Por isso até os gêmeos univitelinos apresentam algumas poucas variações, assim como todos os clones terão digitais um pouco distintas das da pessoa que lhe forneceu o material genético. Passemos agora ao que mais me chamou a atenção aqui.

    –“Um religioso, Alex, não discute muitas coisas, não acha muitas vezes o que é justo ou injusto, apenas aceita.”–
    É pena que a aceitação da DCA exija o tipo de atitude que o motivou a dizer isso. Também ainda não absorvi completamente o fato de o tal cônego José Luis Villa considerar seriamente a hipótese de um ser humano clonado ser um “mostro” ou “um boneco dirigido pelo demônio”. Se as coisas são assim, só posso dizer-lhe: “Não, obrigado!” A ideia de apenas aceitar acriticamente o que é justo ou injusto me parece uma infâmia e fonte primária de muitas atrocidades que já se têm cometido e que, infelizmente, ainda se cometerão. Foi pensando nisso que tomei de empréstimo as palavras de Voltaire para iniciar estas Considerações Finais.
    Responder
  18. Por último, um cientista digno deste nome não “aceita boquiaberto que o Universo nasceu de uma explosão”. Esta é uma hipótese que está constantemente sendo posta à prova e que será descartada sem cerimônia assim surgir uma ideia melhor. A explicação deve adequar-se aos fatos e não o contrário. Isso, meu caro, é precisamente o oposto da aceitação passiva da mesma ideia eternamente.


    3) A alma e o acidente de trânsito (alma e mente):
    Ou você realmente não me compreendeu, ou então não quis pisar no terreno pantanoso a que este tópico o levaria. Para não duvidar de sua honestidade, prefiro pensar que aqui você foi “mau entendedor”. Tudo o que posso fazer agora é esclarecer o equívoco:

    –“Eu não preciso responder nada. Vc já respondeu; trato só de colar a resposta: “Pelo que entendi, a alma não depende da racionalidade, mas é, com “fundamento bíblico”, um atributo exclusivo da espécie humana”.”–
    Está enganado, meu caro! A ligação entre a alma, a racionalidade e a espécie humana é assunto de outro tópico. A matéria desse aqui é a maneira como a alma de uma pessoa pode manifestar-se no mundo. Isso, parece-me, depende inteiramente da presença de um cérebro funcional e nos levaria a reflexões sobre como o que ocorre com o cérebro pode afetar radicalmente o destino da alma. Era uma questão bastante interessante que terminará o debate sem encontrar suas respostas, por mais claro que eu tenha sido desde o começo. Pena!


    4) O humano, o Neanderthal e Sagan:
    Agora há pouco tive que fazer um esforço para não duvidar de sua honestidade e parece que vou ter que fazer isso outra vez (apesar da minha boa vontade, isso está ficando difícil): Da primeira vez que lhe questionei sobre o texto de Sagan, fiz uma pergunta bastante objetiva sobre a confiabilidade da sua fonte bíblica que você me obriga a trazer pela terceira vez: –“O que, além de mera convicção, torna a sua fonte mais confiável do que a deles?”– E não foi só isso: também lhe fiz um pedido igualmente claro para que não se esquivasse da questão sob o pretexto que se trata de uma conjectura. A pergunta e o pedido foram precisos e inequívocos. Na réplica, você não respondeu a pergunta e, na tréplica você “esqueceu” o pedido. Ora, nós dois sabemos muito bem o poder que minha pergunta tem e o estrago que uma resposta honesta poderia causar para a credibilidade da DCA, pelo menos na opinião de qualquer pessoa que tenha o mínimo critério para avaliar a confiabilidade de uma fonte. Mas se você se esquecer da pergunta ou do pedido novamente, não tem problema! Afinal qualquer um pode se enganar sobre a mesma coisa três vezes seguidas.

    Sobre sua “profissão de fé”, eu não sei e na verdade nem me importo em encontrá-la. Diante do que vimos aqui, e é com todo respeito que o digo, uma profissão de fé me parece indistinguível de uma profissão de teimosia.


    5) A “sorte” das almas:
    Entre as leituras que fiz para este debate, encontrei o seguinte:
    “Mas se os cristãos não forem hipócritas, diante dessas passagens, eles terão que admitir que a bíblia aprova a escravidão e que se eles forem honestos consigo próprios e verdadeiros cristãos, não terão alternativa a não ser concordar que a escravidão é uma pratica aceitável segundo Deus.”
    (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/12/296291.shtml)
    Responder
  19. O texto é seguido de uma série de citações bíblicas comentadas que demonstram uma perfeita concordância com o sistema escravocrata. No entanto, para minha grata surpresa, João Cirilo diz: –“A mim a escravidão obviamente não parece justa, porque sou um homem do século XXI.”– Ora, que bom que você não leva inteiramente a sério aquela ideia abjeta de “apenas aceitar” o que é justo ou injusto. Felicito-lhe pela coragem de reconhecer como uma injustiça um sistema que foi considerado adequado pelo próprio Jesus. Se isso for o princípio da emancipação da sua mente, se isso for o primeiro lampejo de um julgamento independente da servidão que a Bíblia impunha sobre suas apreciações éticas, torço muito para que você continue neste caminho, pois é assim que seu raciocínio ganhará uma carta de alforria, coisa que transformará sua vida e o fará mais humano.

    Este tópico foi o que mais mudou ao longo do debate e, por isso, gostaria de encerrá-lo com um raciocínio mais ligado ao seu título: Segundo a DCA, estamos aqui vivendo uma espécie de corrida pela salvação de nossas almas. Noto, porém, que as condições iniciais não são iguais para todos. Uma alma que foi insuflada em uma família católica em Roma terá muito mais chances de ser salva do que uma que, por azar, foi destinada a uma família muçulmana em Islamabad. Da mesma forma, uma alma que entrou no corpo de uma criança anencéfala teve ainda mais sorte, pois será salva quase imediatamente, sem nem precisar participar da corrida. Sei que a metáfora é falha e que os julgamentos sobre a justiça das coisas não estão muito em moda por aqui, mas não acho que isso seja justo com as almas que largam em desvantagem.

    ----------//----------

    Finalmente, meu caro João Cirilo, acho que cheguei ao final deste debate tendo aprendido bastante sobre a Doutrina Católica das Almas. Graças à sua boa vontade e determinação em esclarecer-me, aprendi que a DCA:
    - Exige aceitação acrítica de postulados duvidosos;
    - Exige a suspensão de muitos de nossos julgamentos éticos;
    - Não se apoia em fontes confiáveis;
    - Tem regras que dependem de interpretações de textos obscuros;
    - É pontuada por exceções não previstas e
    - Pode levar-nos a cometer atrocidades por convicção.

    Agradeço ao João Cirilo pelos esclarecimentos e aos leitores pela paciência que precisaram ter com ele ou comigo. E como saio deste debate menos ignorante do que quando entrei, posso despedir-me novamente com um abraço...

    do “sofista, agressivo, mercenário, indigno, torpe, desprezível e impudico”
    Alex Cruz
    Responder
  20. DOUTRINA CATÓLICA DAS ALMAS: CONSIDERAÇÕES FINAIS

    (Não interpretar é impossível, como é impossível abster-se de pensar)
    Italo Calvino

    1.O combativo Alex encerra o debate agradecendo a oportunidade de enfocar e trabalhar assuntos que lhe foram muito proveitosos. Eu não concordo: pelas considerações que pôs ao final, especulo que saiu mais ignorante do que quando entrou, e eu pensava que isso era praticamente impossível. Falta imperdoável em não seguir o excelente conselho de Calvino que entesta estas considerações finais.

    2. De qualquer forma, eu é que tenho que agradecer. Embora pelo menos formalmente o assunto não me seja desconhecido, nunca havia mediato sobre o tema, razão pela qual, se o Alex saiu perplexo, eu saí ganhando e muito, e que só posso agradecê-lo pela oportunidade.

    3.Quando lhe perguntei qual o momento que ele entendia azado para se determinar o surgimento da alma, pensei que sairia pelo lado material firmando algo na linha da Medicina, que julguei capacitado para defender o ponto. Ou que se valesse da literalidade de Gênesis ao dizer que Deus insuflou a alma no homem feito de barro, sugerindo que a alma surgiria com o primeiro respirar.

    4. Provando, afinal de contas, que é um debatedor que só se preocupa com o jogo de palavras sem fundamentar absolutamente nada, saiu comodamente pela tangente ao afirmar: “Minha resposta: Não faço a menor ideia! Sei apenas que o ‘fundamento bíblico’ não se provou absoluto nem contemplo todos os casos”. Não cabe a mim (e suspeito que nem a você) a prerrogativa de apontar um instante fixo para um caso omisso”.

    5. Se não faz a menor ideia nem bíblica, nem cientificamente falando, então peço licença para lhe mostrar como as coisas são, e assim preencho sua natural ignorância e sua recalcitrância em pensar.

    6. Exegeses literais nunca são boas conselheiras e devem ser adotadas só no último caso. Então a alma passada ao ser vivente quando completo esbarrará com o direito consuetudinário (a recusa das hebreias parteiras à ordem do faraó, Ex, 1,17), a lei expressa (cominando indenização a quem ferir uma mulher grávida e ela abortar, Ex, 21,22, ou a pena de morte no caso de aborto provocado, Ex, 23,26) e muito menos teológica, de onde eu extraio duas passagens do VT e duas do NT:

    “Antes mesmo de te formares no entre materno eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei (Jr 1,5)”; “Meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em segredo tecido na terra mais profunda” (Sl 139,15).

    “Ele (João Batista) não beberá vinho ou qualquer outra bebida embriagante. Estará cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe, e reconduzirá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus (Lc, 1, 16); “De onde me vem a felicidade de que a mãe do meu Senhor me venha visitar” (Lc 1,43)? pergunta Isabel a Maria, que estava grávida de três meses!

    7. Evidentemente tais passagens são por demais claras para ficarmos em dúvida acerca dos preceitos bíblicos, que interessam aqui, como sugere o próprio tema do debate. E nem será necessário muito pensar a respeito disto, basta-nos uma inteligência mínima, mas posta em uso!

    8. Não há qualquer marco indicativo do início da alma, entendendo-se insuflada desde a concepção como não deixam dúvida as passagens bíblicas. O pensamento do Alex, com um fundamento que além de pífio, (“porém já ficou claro que essa norma não é absoluta, uma vez que encontramos uma exceção no caso dos gêmeos univitelinos” § 1º, CF) ainda soa jocoso, primeiro, porque exceto ele ninguém fez qualquer afirmativa; segundo, porque não a fincou num alicerce, ainda que de areia; terceiro, porque ele mesmo dissera no parágrafo anterior que não fazia a mínima ideia do momento em que a alma era insuflada no ser humano! Supremo paradoxo este, pelo que não me assusto nem um pouco que saiu pior deste debate do que quando entrou!
    Responder
  21. 9. Somos suficientemente esclarecidos para sabermos que os “gêmeos univitelinos” são desculpa para tentar fixar uma exceção inexistente, porque as almas dos gêmeos, como de quaisquer humanos, são tecidas “em segredo, na terra mais profunda”, como diz o belo verso do Salmo 139. Consciente ou inconscientemente, o Alex faz um jogo perigoso à pretensão de estabelecer um marco divisório que não seja a concepção, criando problemas sérios, tanto doutrinários quanto éticos.

    10. Se assim não fora, como explicar os anencefálicos que nascem sem razão, e não obstante são dotados de alma? E o idiota profundo, sem raciocínio, mas com alma? E o cidadão que perdeu completamente a sanidade mental em determinada fase da vida? Perdeu a alma imortal com a perda da inteligência?

    11. Alma é atributo do ser humano e independe da razão, conforme visto; alcança qualquer etapa formativa, porque um efeito – o coração, por exemplo – não prescinde de várias causas como da matéria que o formou: a melhor resposta será a partir do encontro dos gametas. Neste passo firmo questão no campo da Medicina, da ética médica. E o resultado honesto é o mesmo.

    12. Isto – alma independente da razão – foi batido desde minhas primeiras considerações e é espantoso o Alex dizer que não compreendi ou não “quis pisar no terreno pantanoso a que este tópico levaria”. Para não duvidar de minha honestidade, joga-me a pecha de “mau entendedor”. E no § 3º de suas CF’s pontua:

    “Ou você realmente não me compreendeu, ou então não quis pisar no terreno pantanoso a que este tópico o levaria. Para não duvidar de sua honestidade, prefiro pensar que aqui você foi “mau entendedor”. Tudo o que posso fazer agora é esclarecer o equívoco:
    ‘Está enganado, meu caro! A ligação entre a alma, a racionalidade e a espécie humana é assunto de outro tópico. A matéria desse aqui é a maneira como a alma de uma pessoa pode manifestar-se no mundo. Isso, parece-me, depende inteiramente da presença de um cérebro funcional e nos levaria a reflexões sobre como o que ocorre com o cérebro pode afetar radicalmente o destino da alma. Era uma questão bastante interessante que terminará o debate sem encontrar suas respostas, por mais claro que eu tenha sido desde o começo. Pena!’”

    13. Sinceramente, com mais pena fico eu, que desde o começo disse e provei que a alma de uma pessoa manifesta-se no mundo independentemente da “presença de um cérebro funcional”, que por sua vez não pode “afetar radicalmente o destino da alma”. Não houve tópico que não tenha enfrentado a questão e (se por amor ao argumento) não o fiz, favor reler o § 10 acima.

    14. No § 4º das CIs o Alex começa a duvidar seriamente de minha honestidade sobre o ponto dos alienígenas, Neanderthais e Sagan. Observa com certo ar professoral, típico de quem está perdido, mas não pede informações: “Ora, nós dois sabemos muito bem o poder que minha pergunta tem e o estrato que uma resposta honesta poderia causar para a credibilidade da DCA, pelo menos na opinião de qualquer pessoa que tenha o mínimo critério para avaliar a confiabilidade de uma fonte”.

    15. Sobre a “minha fonte mais confiável que a deles” (os supostos alienígenas) respondi que ficaria perplexo se trouxessem doutrina melhor que a minha, mas veria que o Universo é habitado por outros seres e não somente pelos humanos, resolvendo uma perplexidade que há muito me atormenta. Ajuntei em seguida que se a Providência divina tiver enchido o espaço com outros seres, penso que não nos encontraríamos porque Ele não iria modificar o que traçou. Simples.

    16. Não contente torna ao problema, perguntando o que eu faria se eles mostrassem a verdade. Então perguntei quem seriam “eles” afinal, já que não visitamos ninguém e ninguém nos visitou: onde ele respondeu esta pergunta, alguém viu? Eu, pelo menos, não. Em seguida reafirmei meu princípio sobre o ponto e confirmei minha profissão de fé. E eu sou esquecido, de má fé ou mesmo obtuso? 
    Responder
  22. 17. Também fico pasmo à afirmativa de que qualquer pessoa que tenha critérios para avaliar uma fonte derruiria minhas considerações. Mas quais fontes? Esta questão não me fere nem me acasta, porque fui o único a trazer fontes tanto religiosas quanto técnicas, estas que o Alex critica logo na abertura de suas CF’s, e eu agora entendo perfeitamente o porquê, afinal segue o expediente cômodo e ralo de tudo negar sem acrescentar nada, regando com argumentos retoricamente empolados e falsos, o que pode até ajudar a ganhar um debate, mas certamente não acrescenta absolutamente nada na vida, e o Alex provou isto às escâncaras nesta quadra!

    18. Quanto aos clones, mais uma vez volto ao ponto para dizer que não teriam alma porque seriam criaturas assexuadas feitas pelo homem, e a alma estaria no primeiro ser vivente, no ser clonado e não no clone. Avançando no problema especulei com a possibilidade da alma concomitantemente à existência de impressões digitais. Um assunto provavelmente inédito, farto a considerações que poderiam advir e fiquei decepcionado com a pobreza da resposta, porque modestamente achei a saída brilhante – que até o ajudava - e esperava um pouco mais do meu oponente acerca do novidadeiro ponto. Mas a semente caiu em pedra dura.

    19. Sobre a escravidão não direi muita coisa, exceto reforçar (pela terceira vez) que foi um expediente normal na humanidade e não poderia ser diferente em relação à Igreja até por mandamento expresso de Jesus (“Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”). Isto não é difícil de entender, um mínimo de raciocínio sincero já nos basta.

    20. Em conclusão, sobre a Doutrina Católica das Almas penso que vc nada aprendeu, com todo respeito. Acho até que ficou mais ignorante do que quando entrou, porque até agora não sabe o que é alma e corpo. Portanto e em arremate:

    “Exige aceitação acrítica de postulados duvidosos”: não sei onde faltou de minha parte qualquer crítica e mui fundadamente. Tanto de cunho religioso (que interessava, afinal) quanto de ética médica;.

    “Exige a suspensão de muitos de nossos julgamentos éticos”: justamente ao contrário, é só ler com atenção o que explano e defendo. Nosso julgamento ético fica comprometido quando tentamos botar um “marco temporal” para as almas, como tratei de mostrar ao longo do debate;

    “Não se apoia em fontes confiáveis”: ainda que não se apoiasse, pelo menos trago fontes. Não vi o amigo se prender em nenhuma para defender seu ponto de vista. Aliás, até lhe forneci elementos para defender o seu e vc desprezou, mostrando que não entendeu o princípio do assunto que trouxe à baila;

    “Tem regras que dependem de interpretação de textos obscuros”: penso que os textos são por demais claros. De qualquer forma, não vi o amigo trazendo nenhuma interpretação que clara e inexoravelmente contrariasse minhas assertivas. Aliás, não trouxe nenhuma.

    “É pontuada por exceções não previstas”: justamente porque não são previstas exceções é que a situação se resolve da maneira que sempre defendi, ou seja, alma desde a concepção.

    “Pode levar-nos a cometer atrocidades por convicção”: mesmo? Onde? Para ficarmos só no campo da razão humana, é atroz conservar um feto ou é atroz matá-lo ao terceiro mês porque não tem “cérebro formado”? Em matéria de atrocidade no que defende, meu caro Alex, vc está anos-luz à minha frente.

    Aqui despeço-me agradecendo novamente a oportunidade de discutir este tema, que foi bom para que eu melhorasse alguns conceitos e até especulasse com outros (como a alma dos clones, por exemplo).

    E também desde já agradeço a atenção que possa ter despertado em algum leitor desta prestigiosa página de debates.

    João Cirilo