segunda-feira, 5 de março de 2012

Felipe X Octávio - Moral

    • Felipe Munhoz O que é certo e o que é errado?

      Apesar da maioria das pessoas ainda atribuir a entidades sobrenaturais a responsabilidade para responder esta questão, desde o nascimento da filosofia, o ser humano tem tentado responder a esta questão a partir da lógica e do debate franco. Os sofistas diziam que o certo e o errado dependem de quem está interpretando e da situação envolvida. Sendo assim, não existiriam critérios absolutos e objetivos para se avaliar questões morais. Qualquer um com uma retórica muito boa poderia convencer a todos de que suas causas são nobres ou justificáveis.

      Sócrates discordava disso e dizia que deveria existir uma forma de se chegar a conclusões mais concretas sobre assuntos envolvendo moralidade e que independessem das opiniões dos envolvidos, mas sim da análise lógica e racional dos fatos. Ao dizer isso, Sócrates não queria se colocar como dono da verdade, muito pelo contrário, pois como sabemos, ele se tornou famoso pela frase “só sei que nada sei”, que representa toda a base do espírito questionador dos diálogos socráticos.

      O que Sócrates estava tentando dizer é que deveria existir uma forma imparcial de se analisar questões morais e que independessem da opinião das partes envolvidas. Entretanto, mesmo a análise lógica dos fatos está sujeita a racionalizações e alguém com um bom discurso pode usar este mesmo caminho mental para resolver estas questões de formas completamente diferentes.

      Com o início das grandes navegações, o ser humano começou a perceber que indivíduos criados em outra parte do mundo, com valores totalmente diferentes podiam ser tão lógicos e inteligentes quanto os ocidentais (se não mais). Isso fez com que o Homem reavaliasse mais uma vez os seus valores e tentasse entender melhor qual a melhor forma de se avaliar questões morais. Descartes discutiu muito esta questão, percebendo que, qualquer que fosse o valor humano, ele estava ligado à realidade em que o indivíduo vivia. Entretanto, de alguma coisa poderia se ter certeza e o Demônio de Descartes falhou ao tentar refutar a idéia de que não podemos dizer que nossas dúvidas existem, e se temos dúvidas, então também existimos.

      Outros filósofos estudaram esta questão, usando a dúvida como ferramenta para fortalecer suas convicções. Se uma idéia passasse pelo crivo das dúvidas, então seria uma idéia na qual se poderia ter maior confiança. Este método é inverso ao que admitiam as autoridades religiosas, que diziam que a partir da certeza da existência do indetectável e do absoluto, podemos responder a todas as questões morais.

      Mas mesmo as autoridades religiosas mudaram (e muito) ao longo do tempo suas formas de responder a questões morais (e ainda bem), o que prova que mesmo para quem acredita em princípios morais absolutos e transcendentais, seus critérios mudam ao longo do tempo e do lugar analisado. Uma das críticas que o religiosos freqüentemente fazem aos ateus é a de que, pelo fato do ateísmo não propor nenhum um tipo de moral absoluta, teria de “emprestar” estes conceitos de outras religiões. Entretanto, devemos nos lembrar que esta “moral absoluta” difundida pelos religiosos já incluiu apedrejar prostitutas por adultério, morte por apostasia (abandono da religião), torturas para hereges, etc...

      Qualquer pessoa minimamente decente, no mundo de hoje, analisa estes atos como absurdos. Mas por que eles são absurdos? Baseados em quê podemos dizer isso? Este será o tema do nosso debate. Vou deixar o resto para a continuação do debate. Gostaria de saber a opinião do meu adversário sobre estes assuntos, para que possamos desenvolver juntos esta idéia.

      Obrigado!

      8 de Janeiro às 13:55 ·  ·  4

    • Octávio Henrique “Tudo flui”

      Assim falava Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, para dizer que tudo é passageiro e que nenhum momento era igual a outro (DEVIR). Eu diria, portanto, que não foi Sócrates o verdadeiro divisor de águas na Filosofia grega e até mesmo mundial. Sócrates, por meio de seu método, procurava obter conceitos ou definições gerais para as coisas. Lineu, o biólogo, seguiu o método socrático de comparar indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes diferenças individuais e qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, a essência da espécie em si. No entanto, Lineu aplicou o método socrático em questões de ordem mecânica, física. Aplicar tal método para a moral é uma outra história, meu caro. E foi isso que Heráclito, muito indiretamente, nos trouxe como inovação.

      Porém, tudo o que eu disse aqui ainda não prova o porquê de não podermos ter referenciais morais absolutos. Não obstante, essa breve introdução servirá como alicerce para meus argumentos próximos.

      Ora, é impossível dizer que uma sociedade pode se manter estagnada por 50, 100 anos. Aliás, crer em uma idéia dessas seria como regredir à Filosofia de Parmênides, a qual ditava que o DEVIR de Heráclito inexistia, só existindo na verdade o SER, imutável, eterno e único, coisa que para a ciência de hoje é absurdo, já que existe o conceito de evolução o qual provou que nada é eterno e que, como dizia Heráclito, tudo muda.

      Por mais que se mantenha um governo, uma dinastia ou um sistema religioso como dominante por um longo período de tempo, nada parará as mudanças da sociedade.

      Aliás, foi por esquecer-se desse fato que uma dinastia de Shoguns japoneses faliu. Os Ashikaga, como são conhecidos historicamente, governaram o Japão por cerca de 200 anos, tendo seu governo um fim definitivo em 1573, quando o último Shogun, Yoshiaki, foi “destronado” por Oda Nobunaga. Porém, o que realmente fez o shogunato entrar em declínio foi a incapacidade de perceber as mudanças ocorridas após a Guerra Onin (1455-1465), a qual acabou com a autoridade dos shoguns Ashikaga. Ao invés de perceber que os tempos tinham mudado, os Shoguns ficaram presos a velhos dogmas e tradições japonesas, deixando o caos e a desordem se alastrarem por suas terras, dando assim chance para o restabelecimento do Feudalismo.

      A mesma situação ocorreu com o Império Bizantino. Após o reinado de Basílio, os bizantinos deixaram se levar por dogmas atrasados e se esqueceram de inovar, dando espaço para o crescimento daqueles que os derrotariam, os turco-otomanos.

      Enfim, o erro em comum em ambos os casos foi desprezar as mudanças do mundo. Esses e tantos outros casos nos mostram o que pode acontecer a aqueles que se esquecem da máxima de Heráclito. Tudo flui. E assim como tudo flui, os valores devem fluir também. E isso inclui a moral. Não há como estabelecer parâmetros eternos e absolutos de moral, pois isso pode condenar não só reis e presidentes, mas também toda a humanidade. Afinal, o que mantém as espécies vivas é a capacidade de mudança e adaptação.

      Podemos, porém, julgar valores antigos como absurdos. Afinal, ambas as morais são diferentes e, ao contrário do que pregam as religiões derivadas do Cristianismo, o ser humano tem plena e completa liberdade para julgar atos baseados em seus próprios valores. Entretanto, devemos manter em mente que não há moral eterna e absoluta, ou seja, que podemos ser julgados como bárbaros por nossos descendentes.

      Espero a tua resposta, Felipe Munhoz

      8 de Janeiro às 17:53 ·  ·  4

    • Felipe Munhoz Olá, novamente, Octávio.

      Desculpe a demora para responder...

      Gostei muito da sua introdução e concordo muito com ela. De fato, tudo é passageiro e nenhum momento é igual ao outro, como você bem referenciou. Entretanto, quando você fala da obtenção de conceitos e definições gerais e de como isso influenciou Lineu, acho que está se referindo mais a Aristóteles do que a Sócrates. O método Socrático não consistia em categorizar as coisas, mas sim em desenvolver o diálogo através de perguntas, de forma que o interlocutor achava que era ele quem havia chegado à conclusão, quando era Sócrates quem o guiava com perguntas. Muito do que era tido como “moralidade socrática” foi depois desenvolvido pelos estóicos e também pelos cínicos. Mas eu citei Sócrates apenas como parâmetro histórico. Na verdade, Sócrates não poderia chegar às conclusões que irei mostrar neste diálogo, simplesmente por questões temporais.

      O que é certo e o que é errado? O que eu quero? O que eu devo? O que eu POSSO? Como diria Mario Sergio Cortella, tem coisa que eu quero mas não devo, tem coisa que eu devo mas não posso e tem coisa que eu posso mas não quero. A paz de espírito ocorre quando o que você quer é o que você pode e é o que você deve. A ÉTICA é o conjunto de valores que existe para definir o que PODEMOS fazer, baseado naquilo que devemos ou queremos fazer, de acordo com princípios da sociedade, que são normatizações ligadas à época ou ao local em questão. Já a moral está relacionada à capacidade individual de julgar as situações como certas ou erradas, de acordo com a ética do tempo e da época em que se vive.

      De fato, a sociedade não se manterá estagnada jamais. E a velocidade de transformação têm crescido exponencialmente, o que faz com que os valores humanos mudem constantemente. Mas baseados em que podemos dizer que nossos valores são melhores do que o dos homens de antigamente? Muita gente não acha isso, e isso é uma das causas dos incessantes debates entre conservadores e liberais. De um lado, os religiosos, patriotas, idealistas e do outro questionadores, reformadores e liberais. Isto ainda vai ficar muito evidente neste grupo, com o tempo.

      Isto sem falar das diferenças geográficas. No Talibã, se a filha de alguém é estuprada, a primeira coisa que passa na cabeça do pai é matá-la, por vergonha. Para qualquer ocidental, isto não passa de um absurdo. Mas como é que alguém pode dizer para alguém do Talibã que ele está errado sem parecer imperialista? Baseados em quê podemos dizer que obrigar as mulheres a usarem burca não é certo?

      Eu acredito que existe um método, que assim como a história humana, está em constante transformação, que é o método científico. É normalmente aceito que questões de moralidade são questões em que a ciência oficialmente não pode opinar. Acredita-se que a ciência pode nos ajudar a conseguir o que valorizamos, mas nunca poderá nos dizer o que DEVERÍAMOS valorizar. Por isso, a maior parte das pessoas acredita que a ciência nunca será capaz de responder às mais importantes perguntas da vida humana. Desta forma, questões como “Para que vale a pena viver (ou morrer)?” ou “O que constitui uma vida BOA (ou ruim)? Entretanto, como bem mostrado por Sam Harris em seu livro “The moral Landscape”, essa separação entre ciência e valores humanos é uma ilusão. E uma ilusão muito perigosa.

      É normalmente aceito que a ciência serve para se entender fatos, não valores e que ambos pertencem a esferas diferentes. Mas isto não é verdade. Existem fatos relacionados ao bem estar de criaturas conscientes. Quais são os fatores que nos fazem sentir empatia pelo bem estar de outros seres? Por que não sentimos compaixão por uma cadeira, por exemplo? Por que sabemos que uma cadeira não pode sofrer, e desta forma, não é necessário sentir compaixão. Além disso, tendemos a sentir maior compaixão por outros humanos do que por animais, ou maior compaixão por um cachorro, por exemplo, do que por uma barata. Isto acontece por que acreditamos que cachorros ou humanos estão expostos a uma carga potencial maior de sofrimento ou felicidade do que os insetos, por exemplo. O importante a notar nestas análises é que elas são factuais. Não existe nenhuma visão de moralidade humana que não é, em certo momento, reduzível à preocupações relacionadas com experiências conscientes.

      Qualquer que seja a forma de se analisar a moralidade, estamos, no fundo, verificando se uma atitude viola ou não a “regra de ouro” – Não faça para o próximo aquilo que não gostaria que fizessem com você. Isso acontece por que sentimos empatia pelo potencial sofrimento que outros seres podem sentir, justamente por que também sabemos o que é sofrer. Mesmo se você analisar os valores defendidos pelas diferentes religiões. Você pode escolher entre passar uma eternidade de felicidade no céu, ou uma eternidade de sofrimento no inferno. Ambas as situação se relacionam à experiências conscientes que podemos imaginar. E mesmo dizer que essas experiências podem persistir após a morte, é ainda, uma afirmação factual.

      É claro que essas análises podem ser feitas em vários níveis, mas todas elas se relacionam com características da mente humana, ou para ser mais preciso, de como estão organizados os circuitos cerebrais, quais os neurotransmissores que estão atuando e como isto se reflete na forma de ver o mundo das pessoas.
      Por isso eu afirmo que, seja qual for a questão de moralidade estudada, ela pode ser avaliada por métodos objetivos e suas respostas podem ser concretas.

      Concordo que os valores humanos estão constantemente sendo colocados em avaliação, assim como os métodos da própria ciência para se chegar a conclusões a respeito dos fatos. Mas ainda assim, é possível responder com clareza e com imparcialidade questões relacionadas à moralidade humana.

      Espero a sua tréplica para desenvolver melhor este raciocínio.

      9 de Janeiro às 18:50 ·  ·  3

    • Octávio Henrique Obrigado pelos elogios.
      Primeiramente, pode-se sim dizer que me referi a Sócrates. Afinal, lembremos, a Indução Socrática, a qual foi revisitada por Aristóteles e nomeada Método Indutivo, nada mais era que um meio de generalização conceitual em que se parte do individual para se obter o geral. Lineu, de certa maneira, também fez isso, só que aplicando o Método Socrático a questões mecânicas e não morais. Aliás, querer utilizar esse método para estabelecer referenciais morais objetivos absolutos seria uma total demonstração de despreparo, já que duas ou mais sociedades que interagem no mesmo tempo e espaço não chegarão às mesmas respostas, demonstrando assim a falibilidade do método quando aplicado à moralidade.
      Em segundo plano, meu caro Felipe, analisar a questão moral sob o viés de certo ou errado também é falho, já que os próprios conceitos de certo e errado não são absolutos, sendo dependentes das circunstâncias e da época em que ocorre uma ação e do povo a julgá-la. Na China Antiga, por exemplo, era moralmente aceita e dada como certa a ideia de um imperador manter relações sexuais ou afetivas com mais de uma pessoa, sendo ela do sexo oposto ou não e sendo ela adulta ou não. Já no Brasil atual, católico, tal fato seria errado e moralmente inaceitável, e poderia acarretar até mesmo em pressões para a renúncia do chefe de estado. Ou seja, julgar a moral sob a ótica de certo ou errado não trará resultados, e sim mais confusão ainda.
      Julgamos os valores dos nossos antepassados baseados nos nossos próprios valores, os quais são advindos das mais variadas fontes (Experiências pessoais, reflexão interna, moralidade religiosa, entre outras). Mas a verdadeira questão não é se nossos valores são superiores ou inferiores aos de nossos ancestrais. A questão é se eles se adequam às necessidades de nossa sociedade. Ou seja, será que nossos valores são aqueles de que precisamos para nos fazer uma sociedade um pouco melhor? Será que em algum valor antigo podemos encontrar uma forma mais eficaz de promover os avanços de que precisamos? Ou ainda precisaremos criar novos valores?
      O problema de se produzir conceitos por métodos científicos é que novamente poderíamos cair no problema socrático. Afinal, acabaríamos por fazer generalizações e mais generalizações para encontrar os valores ideias, mas nos esqueceríamos das situações mais específicas.
      Outro problema de se criar referenciais morais eternos com a ciência é a falseabilidade da própria, como teorizado por Popper. Se conceituássemos cientificamente a moral baseada nas conclusões em que a ciência chegou até o presente momento, correríamos o risco de que a ciência em 2100, por instância, chegue a conclusões completamente diferentes sobre os seres humanos e tenha que refazer toda a moral, jogando o presente trabalho pelo ralo. Afinal, relembrando a máxima de Heráclito, tudo flui, e os seres humanos e a ciência não são exceções. Como podemos querer eternizar referenciais de moralidade se não temos ideia se eles serão úteis (e compatíveis) ou não para (com) as sociedades do futuro?

      9 de Janeiro às 21:47 ·  ·  3

    • Felipe Munhoz Aristóteles foi o primeiro homem a criar um sistema de classificação. O sistema aristotélico de classificação surgiu pela necessidade de abarcar e expressar a realidade de modo organizado e preciso. Para isto, tal sistema buscou a identificação e o estabelecimento de conceitos básicos que orientassem os agrupamentos de categorias primordiais. Como este método pode ser alcançado por qualquer um, através da utilização da razão, Sócrates não poderia deixar de propor os embriões deste conceito, uma vez que foi influência para Aristóteles, através dos escritos de Platão e Xenofonte.

      E já que estamos falando de Sócrates, este travou uma polêmica profunda com os Sofistas, pois procurava um fundamento último para as interrogações humanas ("O que é o bem?" "O que é a virtude? "O que é a justiça?); enquanto que eles situavam as suas reflexões a partir dos dados empíricos, o sensório imediato, sem se preocupar com a investigação de uma essência da virtude, da justiça do bem etc., a partir da qual a própria realidade empírica pudesse ser avaliada.

      Para os sofistas tudo deveria ser avaliado segundo os interesses do homem e da forma como este vê a realidade social (subjetividade). Segundo a máxima de Protágoras:"O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.". Isso significa que, segundo essa corrente de pensamento, as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a conveniência individual. Para este fim qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso ou sem conteúdo. Pelo que me pareceu, em seu discurso, você pareceu dizer que os sofistas estavam certos e Sócrates, errado.

      Mas não podemos esquecer que as conclusões deste tipo de raciocínio destrói os fundamentos de todo conhecimento, já que tudo sendo relativo, todos os valores são subjetivos. Sócrates contribuiu para que as pessoas se apercebessem da descoberta da evidência. Conhecer-se a si mesmo seria conhecer Deus em si. Aquilo que colocou Sócrates em destaque foi o seu método, e não tanto as suas doutrinas. E isto lembra muito o que estamos fazendo agora. Sócrates baseava-se na argumentação, insistindo que só se descobre a verdade pelo uso da razão.

      O seu legado reside sobretudo na sua convicção inabalável de que mesmo as questões mais abstratas admitem uma análise racional. E este é exatamente o argumento central da minha argumentação e que você pareceu não concordar. Sócrates dizia também que sua sabedoria era limitada à sua própria ignorância. Segundo ele, a verdade, escondida em cada um de nós, só é visível aos olhos da razão.

      E isso tem tudo a ver com outra coisa que você comentou em seu texto, que é o principio da falseabilidade de Popper. Este é um princípio fundamental do método científico. Admitir, antes de tudo, que está errado, e que por melhor que seja o seu modelo ele não é definitivo é a base de tudo aquilo que é científico. Logo, admitir a certeza em algo, seja o que for, é contra tudo aquilo que é científico. O máximo que podemos ter é uma substituição de erros grosseiros por erros um pouco menos grosseiros. Nenhuma análise da natureza é tão iconoclasta em potencial e anti-ideologia quanto a científica.

      Já quando analisamos os critérios absolutos de moralidade apresentados pela religião, devemos nos lembrar que o pressuposto básico da fé religiosa é ter certeza de que seu modelo de divindade é verdadeiro e isso é totalmente contrário à forma de ver o mundo, proposta pela ciência. Já dizia Sagan que Ciência não é só um agrupamento de técnicas necessárias para se produzir tecnologia. Nem um corpo de conhecimentos. Ciência é uma forma de ver o mundo que é contraditória a toda outra forma de analisar a realidade que admita para si uma certeza universal. Por isso, é óbvio que a própria ciência não vai ser a mesma no futuro, e ainda assim, será o melhor método para se avaliar questões morais.

      Os seres humanos se dedicam à tentar responder estas questões fundamentais que estamos discutindo aqui desde o nascimento da cultura. Uma análise do desenvolvimento histórico nos mostra que este processo é gradativo. Ao longo das gerações, uma pessoa se embasa nas reflexões de seus antecessores, de forma a aprofundar ainda mais esta idéia. Ao observamos todo este legado que nos foi deixado, podemos reformar o conhecimento, baseados em novas análises, que são constantemente realizadas.

      Além disso, não podemos negar que o que o homem sabe hoje a respeito da natureza e a respeito de moralidade, é bem diferente do que sabia a mais de 2000 anos atrás, quando os textos religiosos foram escritos. Além disso, bastante duvidoso é o método da revelação, que diz que alguma pessoa pode ter alguma conexão mística inexplicável com alguma coisa incompreendida e desta forma, devemos considerar como real o argumento que ela sustenta. Em várias questões da vida, algumas opiniões, simplesmente não devem ser relevantes.

      Desta forma, o reducionismo pode ser uma medida muito inteligente, quando formas ingênuas de analisar a natureza são suprimidas. E este “reducionismo racionalista meramente naturalista” é um método de analisar a natureza totalmente honesto, pois admite, antes de tudo, a possibilidade de que seu argumento pode estar errado. Desta forma, é anti-científico acreditar que a ciência serve como verdade suprema para a análise da condição humana. A ciência é, no máximo, o melhor detector de mentiras que possuímos e por isso, a melhor forma de se analisar questões morais.

      10 de Janeiro às 00:49 ·  ·  1

    • Octávio Henrique Gostei da tua tréplica, Felipe Munhoz. Ainda assim, como você mesmo admitiu, o criador do método foi Sócrates. Portanto, sim, Lineu sofreu grande influência de Sócrates.

      Os sofistas se utilizavam do que hoje chamamos de Relativismo. Ou seja, como os dados sensoriais sempre estão em mudança e os indivíduos que os percebem também, é impossível obter-se verdades absolutas. O mesmo valeria para a moral, a ética, os conceitos de bem e mal e tantos outros. Sócrates, no entanto, poderia ser associado a um dogmatismo primitivo, ao se ter como referencial o fato de que ele acreditava na possibilidade de se ter conhecimentos seguros, certos e universais. Ao contrário de outros dogmatistas, porém, Sócrates usava-se sempre da epistemologia para avaliar as credenciais de um conhecimento, o que lhe deu um pouco mais de crédito ante as doutrinas religiosas atuais.

      Não digo, porém, que um estava mais certo ou mais errado do que o outro. Primeiro porque, como eu havia dito antes, se ficarmos nos prendendo a conceitos de certo e errado, podemos debater até 2030 aqui que não chegaremos a qualquer conclusão. Segundo, porque são duas visões filosóficas divergentes e que sempre estiveram em conflito. Veja: O Racionalismo e o Empirismo, a não ser na filosofia hobbesiana, se bem me lembro, sempre estiveram em conflito. E, pelo menos relativamente, cada um teve seu momento de “vencedor”. No conflito entre Sócrates racionalista e os sofistas empíricos, é dito que o Racionalismo triunfou. Já no conflito entre o Racionalismo francês de Descartes e o Empirismo Inglês de Locke, a vitória é normalmente atribuída ao Empirismo. Portanto, considero muito difícil dar total razão a uma ou outra corrente. Seria um erro muito grosseiro.Afinal, para quem participa no processo de desenvolvimento das ciências, o Racionalismo é de suma importância, mas o Empirismo não é totalmente descartável. Já para o povo, o senso comum, o inconsciente coletivo, o Racionalismo tem sim sua importância, mas o mais instrumental mesmo é o Empirismo, é pôr as conclusões racionais em prática, vendo se realmente estão certas.

      Pois é, realmente o que coloca Sócrates em destaque é o método socrático. Porque, sinceramente, a Teodiceia dele, por instância, é risível. Dos três argumentos que ele propõe para elaborar a existência de um Deus, dois são ridiculamente falaciosos (no caso o Teológico e o Moral) e o outro, o da causa eficiente, nem concluído foi.

      O que você está esquecendo, meu caro, é que nunca discordei da tua ideia de que a ciência é o melhor método para avaliar as questões morais. Só ponderei que muitas generalizações são feitas e que, portanto, poderia se cair em dois perigos, sendo que um seria a ciência como nova forma de dogmatismo e o outro seria que, após o estabelecimento de um código moral científico, fôssemos refutados e todo o nosso trabalho iria pelo ralo. Nesta segunda conclusão, tomei por base o Princípio da Falseabilidade Científica de Popper, um princípio paradoxal, mas que é respeitadíssimo hoje pela maioria e quiçá por todos aqueles que lidam com as ciências.

      Reducionismo, meu caro, por mais cientificizado que seja, nunca é a solução. Afinal, assim como não podemos afirmar que o pensamento religioso A ou B possui as verdades absolutas, não podemos afirmar que um pensamento científico trará tais verdades. O máximo que pode e deve ser feito pelo pensamento científico é a análise com maiores (ou mais aparentes, como queira) evidências e com menores preconceitos.

      E há também a problemática central. Pensemos no povo brasileiro, que pouco valoriza a educação e menos ainda valoriza os cientistas. Aliás, nosso povo parece ter nojo de tudo que remeta a sabedoria e conhecimento, mas isso é tema para outro debate. Nós dois podemos realmente chegar à conclusão, como você de maneira sábia disse, que a ciência é o melhor detector de mentiras que possuímos sendo, portanto, o melhor instrumento para avaliar a moralidade. Porém, como convencer um povo que pouco acredita na educação e que, em sua maioria, acredita em revelações divinas (afinal, segundo pesquisa da Folha de São Paulo, nossa população tem maioria absoluta cristã, sendo 61% católicos e 25% evangélicos), de que é a ciência a melhor forma de se obter uma moral, e não as revelações de uma entidade superior?

      Aí é que eu digo que os sofistas não estavam tão errados. Aliás, por tudo que percebemos hoje, talvez os sofistas fariam mais sucesso no Brasil atual do que o próprio Sócrates. Afinal, a Filosofia relativista sofística, mesmo sendo conceitualmente genial, seria usada pelos mais preconceituosos para provar que podem expressar seus preconceitos.

      Aliás, podem não, são usadas. Caro Felipe, já ouviste uma pessoa dizendo: “Ah, se o fulanin pode falar que é gay, por qual motivo eu não posso expressar meu preconceito?”. Ora, isso é nada mais que um sofisma pró-intolerância, e que faz muito sucesso entre o “povão”.

      10 de Janeiro às 13:58 ·  ·  2

    • Felipe Munhoz A maior influência para qualquer sistema de CLASSIFICAÇÃO é, definitivamente,de Aristóteles. Mas Aristóteles conseguiu desenvolver seu raciocínio por que aplicou a investigação racional dos fatos, e, NESTE PONTO, foi influenciado por Sócrates. A mais importante contribuição de Sócrates para o pensamentos ocidental é a dialética. A dialética constitui-se em um diálogo entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista em relação a um assunto e querem estabelecer a verdade, através do diálogo, através de argumentos RACIONAIS. Dialética é diferente de DEBATE, onde os debatedores estão comprometidos com seus pontos de vista e querem vencer o debate, ou pela persuasão do oponente, provando que seu argumento é correto, ou a de que do oponente é incorreto. Neste caso, um juiz ou um jure decide quem vence o debate. Com a retórica, o interlocutor pode usar a lógica, a paixão e as crenças para persuadir os ouvintes (leitores) a concordarem com o a sua parte do discurso.

      Para qualquer escolha da vida, devemos usar nosso senso de realidade para decidirmos entre o CERTO e o ERRADO, e não temos até 2030 para fazer este juízo. Decisões cruciais devem ser feitas a cada dia, quando nos perguntamos qual escolha tomar. Com base em todas as experiências que já vivemos em nossas vidas, somos capazes de prever resultados ou calcular conseqüências, mas para tomarmos qualquer tipo de decisão, precisamos acreditar que existem respostas certas ou erradas, para que possamos apostar na escolha que possa colher os melhores resultados. Em termos práticos, dizer que “depende” não leva a lugar algum. Os sofistas acreditavam que na “Areté” ou excelência (para não dizer, conveniência). Através da oratória, influenciavam outras pessoas através do CONVENCIMENTO, que muitas vezes ocorria pela exaltação de outras formas de percepção humana, independentes da lógica e da razão, como emoções primitivas e carências psicológicas.

      Para Sócrates, a verdade era o valor mais importante, propondo que poderia ser encontrada através do uso da razão pela análise lógica dos argumentos. Dizer o contrário é dizer que a realidade pode contrariar a lógica e não fazer sentido. E isto só é possível em idéias, em estórias contadas por outras pessoas em livros ou filmes, onde a realidade não precisa da razão para parecer lógica ou não precisa ser lógica para ter sentido. Do ponto de vista prático, a verdade deve existir, e esta deve ser independente da OPINIÃO de todos os envolvidos, pois TODOS podem estar enganados em suas possíveis previsões.

      Para um sofista, o importante é convencer o público, pois se “verdades” não existem, qualquer coisa irracional ou ilógica que convença pela exaltação de emoções primitivas serve como resposta, para quem não valoriza a razão e a lógica como prerrogativas para tudo aquilo que existe, no mundo real, que experimentamos todos os dias de nossas vidas. O método socrático consiste em quebrar os argumentos em uma série de questões, onde as respostas a estas questões discordam da resposta que alguém poderia esperar. Este tipo de análise também influenciou o desenvolvimento do método científico, do qual a HIPÓTESE é o segundo passo, após a Observação. Ou seja, a partir daquilo que conhecemos da realidade, fazemos assertivas (que podem ser CERTAS ou ERRADAS) e podemos prever os possíveis resultados de nossas ações, baseados na eliminação de hipóteses negativas (dúvidas). Ou seja, não podemos ter “certezas”, mas podemos ter menos dúvidas. E não tem como negar que é possível saber alguma coisa, eliminando as hipóteses que possuem contradições e apostando nas que parecem verdadeiras. Alguém que nega isto, é incapaz de tomar qualquer que seja a decisão em sua vida, pois não se importa com o que é VERDADEIRO, escolhendo por aquilo que é mais CÔMODO. E é um conformismo perigoso, pois dizer que não existem respostas “certas” ou “erradas” a respeito da realidade é dizer que QUALQUER UM PODE ESTAR CERTO, e sua razão não é capaz de prever nenhum resultado, baseado n o que você sabe. Sócrates dizia: “Eu sei que vocês não vão acreditar em mim, mas a mais alta forma da excelência humana é questionar a si mesmo e os outros”. Karl Popper descreve a dialética como a “arte da intuição intelectual, de visualizar formas e idéias revelando o grande mistério atrás do mundo de aparências do dia-a-dia”.

      Um truque sofista para fazer com que a argumentação do oponente pareça errada é dizer que o raciocínio do outro é uma "generalização" ou então um "reducionismo" de alguma coisa. pois tudo é passível de expansão ou redução, quando analisados os pilares da argumentação. Portanto, dizer isso, é o mesmo que dizer nada. Outra idéia errônea é considerar o princípio da falseabilidade paradoxal. É o mesmo argumento dos que dizem que “se tudo o que sei, é que nada sei”, LOGO, “qualquer coisa pode estar certa ou errada, quando a conclusão é justamente o contrário. Por não poder efetivamente “saber” nada, devemos excluir o que não é racional, se é a realidade que queremos analisar.

      Mas vivemos em uma democracia, ou a tirania da maioria. E o poder de decisão, para escolhas fundamentais das sociedades humanas, está nas mãos de pessoas que nem sempre conseguiram esta função por mérito de conhecimento, mas por influência social ou econômica. E isto aconteceu em todas as sociedades humanas conhecidas. Então quem decide não é quem sabe as respostas para um assunto, mas sim quem tem o poder para ser conveniente para aquilo que ele quer. Tudo o que ele precisa é CONVENCER um grande número de pessoas que muitas vezes não valoriza a lógica e a evidência para formar seu senso de realidade.

      Quando queremos estar mais seguros quanto às decisões complexas a serem tomadas pelas pessoas, entendemos que algumas opiniões simplesmente devem ser excluídas, pois possuem maior chance de estarem erradas. E é por isso que existem os especialistas. E somente assim vale a pena saber alguma coisa. Só assim o conhecimento é possível. Como é que podemos nos convencer de que para se analisar questões morais toda opinião deve valer? O mundo precisa admitir que existem respostas “Certas” ou “erradas” com relação ao florescimento humano e a moralidade está relacionada a este domínio dos FATOS. Temos que admitir que é possível que países inteiros e culturas inteiras sejam capazes de tomar decisões que são erradas, quando analisamos o bem estar dos seres envolvidos. Admitir isso, já é um bom começo.

      11 de Janeiro às 17:49 ·  ·  2

    • Octávio Henrique Na verdade, se formos parar para analisar, o próprio Aristóteles apenas completou o trabalho socrático. Afinal, Sócrates tem na Indução um dos princípios básicos de sua dialética, enquanto Aristóteles utilizou-se dos métodos Indutivo e Dedutivo, sendo o primeiro, em certo sentido, uma “revisita” à Indução Socrática.

      Realmente, a Dialética foi uma influência de Sócrates para o Ocidente, e foi a mais importante. Mas não foi a única. Ora, sigamos a lógica: Sócrates, como você e eu sabiamente dissemos, focou-se bem mais na questão de obter conceitos morais com seu método. Porém, ele não criou restrições para como tal método deve ser usado. E Lineu, se pensarmos, acabou se usando muito bem da Indução Socrática, só que em uma questão de ordem mecânica, como eu disse. Assim sendo, sim, podemos considerar que Sócrates não foi a ÚNICA, mas sim uma das grandes influências para o biólogo. Aliás, para os dois biólogos. Afinal, mesmo não sendo Biologia a minha melhor área, lembro que Aristóteles é considerado um dos primeiros senão o primeiro biólogo, sendo pioneiro ao desenvolver, por exemplo, a teoria da Abiogênese.

      Não vejo em qual ponto o seu segundo parágrafo refuta tudo o que eu disse até aqui. Realmente, temos os NOSSOS conceitos de certo e errado, e tomamos decisões tendo os mesmos por base. Porém, se formos parar para discuti-los aqui, não chegaremos a quaisquer conclusões, já que esses conceitos têm mais a ver com cultura e subjetividade do que com qualquer outra coisa.

      De fato, crer que todas as coisas possam ser explicadas por fé, aparições, emoções primitivas e carências psicológicas pode ser um erro. Criar uma moral baseada em algum desses pilares é um erro (provas são as falidas religiões ocidentais). Porém, eternizar e adquirir uma moral somente por meio da ciência e descartar qualquer outra possibilidade de se explicar uma coisa também é um erro. Afinal, eu repito a máxima atribuída a Heráclito: “Tudo flui”. As coisas fluem, o mundo flui, os conceitos e as visões sobre uma coisa mudam. Podemos sim fazer o descarte de uma hipótese muita absurda, mas não em definitivo. Afinal, lembremos, até mesmo a hoje respeitadíssima Teoria da Evolução de Darwin já foi considerada uma hipótese absurda. Óbvio, o contexto histórico não era favorável a essa ideia. Mas, e se o mesmo ocorrer com uma ideia que hoje acreditamos ser absurda e que daqui a dois séculos pode ser tornar respeitadíssima?

      A questão, meu caro, é que, sim, podemos jogar algumas ideias no lixo. Principalmente aquelas que mais nos parecem risíveis ou absurdas. Porém, será mesmo que devemos?

      E principalmente quando se trata de Moral, um conceito não só dependente da individualidade, mas também do lado sociocultural. Seria mesmo sensato reduzir uma questão tão diversa aos métodos científicos? Criar parâmetros para o que é físico, mecânico, é bem possível se bem feito. Agora, o mesmo seria aplicável em uma ideia que também pode envolver questões metafísicas? Seria realmente sensato abandonar totalmente a metafísica sem maiores investigações?


    • Patrick Brito Debate encerrado.

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